Este ano já morreram 32 mulheres vítimas de violência. O que continua a falhar?
Ainda não tenho dados sobre os homicídios conjugais deste ano. Os números oficiais mostram que morreram 30 mulheres em 2013, ano em que também dez homens foram vítimas deste tipo de homicídio, mas tinham morrido 38 em 2010 e 40 em 2008. Não há uma subida de casos, mas estes são números pesados e persistentes…
Mas o que é que falha para nenhum governo ter ainda conseguido combater eficazmente este crime?
Apesar de todas as políticas públicas e de todos os progressos ainda há uma cultura secular de silêncio e de sujeição da mulher em que a violência é tolerada e vista com normalidade. Isto tem de ser combatido. Por outro lado, nunca será possível evitar todas as situações porque a violência doméstica é das mais difíceis de eliminar e de prevenir. Mesmo melhorando a capacidade de resposta e o alerta às vítimas, mesmo melhorando a avaliação de risco pelas forças de segurança.
Há mulheres que fazem dezenas de queixas nas esquadras e nada acontece. É preciso mais formação dos agentes?
A formação existe. Em dois anos, foi dada formação específica a 20 mil elementos da PSP e GNR, 11 mil dos quais este ano. Aliás, duplicaram os casos em que os processos foram instaurados pelas forças de segurança de 2012 para 2013. Isso quer dizer que abriram processos mesmo quando não houve queixa. Há também um esforço para as forças de segurança terem melhores instrumentos de avaliação de risco que as mulheres correm.
Há novas instruções para se avaliar estes casos?
No início deste mês entrou em vigor uma nova ficha [documento com critérios para os agentes avaliarem o grau de risco da mulher que apresenta queixa], num trabalho que envolveu, durante dois anos, o Ministério da Administração Interna, a Procuradoria-Geral da República e a Universidade do Minho. Esta é uma área crítica porque uma queixa desvalorizada hoje pode ser uma mulher morta amanhã. Mas é preciso lembrar que as associações que estão atender estas mulheres também têm de fazer a avaliação correctamente.
É comum essas associações falharem na avaliação?
As falhas podem existir a muitos níveis, mas está a dar-se cada vez mais formação a estes técnicos para as evitar. Não tenhamos dúvidas de que, apesar de todo o investimento, haverá sempre situações inesperadas, que não são possíveis de prevenir. Como aquela que aconteceu neste recente caso mediático [em que o pai matou a mulher e a filha em Soure] em que ninguém se apercebeu de antecedentes.
Nos casos recentes os agressores mataram ou tentaram matar os filhos. Há uma alteração de padrão?
Nalguns deles, os filhos não seriam o alvo principal, mas ao atravessarem-se para defender a mãe acabam por ser vítimas. Estes casos têm que ser estudados para se perceber se há um padrão. O que já sabemos, de uma análise feita a 19 homicídios conjugais, é que a única causa comum a todos os casos era o facto de a vítima ter-se separado ou ameaçado separar-se. Há um perfil de homens que não suporta perder o controlo, ser deixado. Por outro lado, há mulheres que se expõem ao perigo demasiado tempo, porque acreditam que o agressor vai mudar. Muitas demoram décadas a tomar a decisão de se libertar.
Não é um problema de informação…
As mulheres em Portugal estão muito bem informadas. O problema é que têm ainda dificuldade em queixarem-se por razões emocionais e económicas. E depois há o problema cultural, pois hoje ainda há quem considere uma vergonha uma mulher sair de casa. Temos de trabalhar mais junto das novas gerações, para que não tenham tolerância para com a violência.
O que está a ser feito na escola?
Há um conjunto de medidas novas para a Educação, que é uma das áreas onde o país menos investiu nos últimos anos. Em 2015, teremos acções de formação e promoção nas escolas, materiais pedagógicos novos para formação de docentes e pessoal auxiliar e instrumentos que os professores podem usar para servir de guião nas aulas do básico e secundário. O próprio Programa Escola Segura vai sofrer uma transformação para começar a detectar sinais de violência familiar.
Os estudos mostram que um em cada quatro jovens já é vítima de violência no namoro…
Mas eles não se consideram agressores, nem vítimas. Não percepcionam como violentos certos comportamentos como, por exemplo, espreitarem as mensagens do telemóvel, fazerem exigências sobre a forma como os outros se vestem ou controlarem os movimentos das namoradas ou namorados. Temos de mostrar que não é aceitável que uma pessoa controle outra.
A maioria dos agressores sai do tribunal com pena suspensa ou multa. Os juízes deviam ter mão mais pesada?
Há demasiadas situações em que a pena é suspensa e essa suspensão mantém uma situação de risco para as vítimas. Esta é uma questão da competência dos senhores juízes e o poder judicial é independente do poder político.
As penas para a violência não deviam ser mais pesadas?
Não me chocaria que a moldura penal fosse mais elevada. Mas o principal problema não está na moldura penal. O que me parece é que a lei é concretizada numa pena baixa porque juízes e magistrados assim o entendem.
Acha que falta formação para juízes e magistrados?
Não, a formação tem sido feita. As nossas magistraturas precisam de maior especialização e sensibilização para o sofrimento que a violência traz às vítimas. Em 2013, fizemos acções de formação em todas a procuradorias distritais e temos mais seis agendadas. Existe um manual sobre a violência doméstica que será disponibilizado a todos os magistrados. Mas também há dados positivos: só havia, em 2008, 13 detidos por violência e agora há 495.
É pouco face ao número de processos. Só uma minoria de juízes decreta, por exemplo, que o agressor deve estar afastado da vítima…
As medidas de afastamento do agressor também têm subido, através das pulseiras electrónicas, cuja utilização cresceu cinco vezes de 2011 até agora. Mas não chega. Ainda há magistrados que não conhecem os sistemas de teleassistência da vítima, que têm altíssimas taxas de sucesso. Eram 13, em 2002, e agora são 222.
Mas continuam a sobrar sistemas de teleassistência.
Temos 300 disponíveis e só 222 em utilização. Só não são mais usados porque os senhores magistrados assim o entendem. Pode haver ainda muitos que não sabem como o sistema funciona. Por isso, vamos fazer seis acções junto das magistraturas.
Este mês, dia 25, a Secretaria de Estado da Igualdade lança uma nova campanha de sensibilização contra a violência. Qual será a mensagem?
Será destinada a mulheres mais velhas. É uma das 22 iniciativas previstas no âmbito das III Jornadas contra a Violência Doméstica, que este ano duram um mês inteiro, de 4 de Novembro a 5 de Dezembro
Têm aumentado os casos de violência em mulheres mais velhas?
Não, mas são mais difíceis de detectar. As mulheres mais velhas, sobretudo nas regiões mais isoladas e rurais, têm dificuldade em quebrar o silêncio, assumir que são vítimas e pedir ajuda. Estão menos informadas. Queremos dizer-lhes que nunca é tarde para se libertarem da violência e terem apoio.
Os cortes orçamentais não obrigaram a reduzir os apoios?
Nunca houve tantos apoios. No final das jornadas vamos atribuir mais de um milhão de euros a uma lista de entidades que actuam na área da violência doméstica. Vamos também apoiar projectos de acolhimento de emergência e apoiar a abertura de novas estruturas de acolhimento no Algarve e no Minho.
A proposta de alteração das penas para o crime de violência doméstica está em cima da mesa?
A matéria é da competência da ministra da Justiça, que tem uma sensibilidade evidente para a questão.
A propósito, o que pensa da ideia de Paula Teixeira da Cruz sobre a base de dados de pedófilos?
Estou absolutamente de acordo. Perante eventuais direitos de um agressor sexual e a protecção das crianças não há que hesitar. Tem havido demasiadas dúvidas sobre os direitos que devem prevalecer, até porque a vítima não poderia ser mais vulnerável.