Lisboa: uma cidade com vários regimes de habitação

Na Rua João Nascimento Costa, no Beato, à medida que se desce em direcção ao vale, os prédios baixos de várias cores dão lugar a blocos uniformes, cinzentos e bordeaux, de ar degradado que, por sua vez, uns metros à frente, são substituídos por edifícios de cores claras e bem cuidados. Este bairro lisboeta é…

É na zona mais baixa, nos blocos construídos nos anos 70 ao abrigo do Serviço Ambulatório de Apoio Local, iniciativa do então Fundo de Fomento de Habitação, que estão os principais problemas. Na altura, os cooperantes construíram as casas com financiamento público e com a ajuda da câmara que cedeu os direitos de superfície. Mas a maioria deixou de pagar o seu contributo ao Estado nos anos 90, admite Nuno Costa Santos, da Associação de Moradores Viver Melhor no Beato. Porque havia a intenção de construir uma terceira travessia sobre o Tejo a partir dali e a expectativa de as casas serem demolidas e o bairro realojado. Mas também porque o Estado, credor da dívida, não apareceu para reclamar  o seu pagamento.

A dívida, agora ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) – que representa actualmente o Estado – deveria ter sido amortizada em 2003. Nunco Costa Santos clasifica-a hoje como “absurda e impagável” e diz que ronda os dois milhões de euros.  Na prática, os moradores vivem aí há décadas, cuidaram desse património ao longo do tempo e querem agora deixá-lo aos filhos – ou até vender –, mas não o podem fazer porque não têm registos em seu nome, explica a vereadora da Habitação e Desenvolvimento Local da Câmara Municipal de Lisboa. 

Numa visita guiada com jornalistas pela cidade, a vereadora Paula Marques diz que em situação semelhante estão outros quatro núcleos habitacionais, num total de mil fogos construídos ao abrigo deste regime e que terão de negociar com o IHRU o pagamento da dívida. 

O Bairro Fonsecas e Calçada, no Campo Grande, já reabilitou a cooperativa e chegou a acordo com o Estado. Na freguesia do Beato, o processo está numa fase preliminar embora os moradores já tenham reconstituído a cooperativa e estejam agora a preparar-se para avançar.

12 por cento dos inquilinos de habitação social não pagam renda 

A autarquia e a Gebalis preferem por a tónica nos munícipes que cumprem os seus compromissos e dizer que 88% dos arrendatários de casas municipais pagam a renda a tempo e horas. Mas entre os 12% que não o fazem, há muitos que já têm dezenas de meses de renda por pagar, admitem. Em média, no regime de renda apoiada, o valor da renda ronda os 54 euros. Se tiverem uma redução dos rendimentos do agregado familiar, os arrendatários podem requerer a revisão do valor a qualquer momento, sublinha a autarquia. 

Os números dos últimos meses mostram isso mesmo: entre Setembro de 2013 e Julho deste ano, devido ao agravamento das condições financeiras das famílias, a Gebalis efectou reduções de renda que totalizam um valor de dois milhões e trezentos mil euros.

Há ainda outras situações que preocupam os responsáveis pela gestão do parque habitacional da cidade: actualmente há 500 famílias em processo de insolvência. Ou seja, sem capacidade para assumir o pagamento da renda mas também sem possibilidade de assinar um acordo de regularização da dívida com a Gebalis.

Além deste regime da renda apoiada, na cidade de Lisboa é possível ter acesso à habitação através de outro programa: o da renda convencionada. O objectivo desta iniciativa é permitir que pessoas com poucos recursos (mas não em situação de carência como é o caso da renda apoiada) possam candidatar-se a uma casa municipal a preços inferiores em cerca de 30% do mercado normal de arrendamento. Neste momento, há 100 fogos que foram reabilitados e estão nestas condições.

O acesso é permitido a agregados familiares nacionais ou estrangeiros que residam dentro ou fora do concelho de Lisboa. A candidatura é feita numa plataforma online e por sorteio. 

Novas alienações de casas suspensas para repensar modelo

Paula Marques afirmou ainda que as alienações de património municipal foram suspensas durante um ano, entre 2014 e 2015, para ser “repensado o modelo”. A vereadora do pelouro da Habitação lembrou que os inquilinos que compram as suas casas, anteriormente arrendadas à autarquia, têm, algumas vezes, dificuldade em pagar os condomínios, continuando esse, por vezes, um encargo suportado pela Gebalis, empresa que gere o património municipal. “Tem de haver mais responsabilização por parte dos proprietários”, referiu a vereadora, que lembrou ainda que essas pessoas, apesar de não poderem vender os imóveis durante 10 anos, podem alugá-los.

Em estudo está o modelo da alienação, que, no passado, recordou a autarca, já contemplou a venda apenas quando a maioria dos inquilinos estava em condições de adquirir as casas. Em causa estão casas, lembrou a responsável, de construção com financiamento público e que podem ser adquiridas pelos inquilinos a preços mais reduzidos do que os preços em mercado livre.

A autarca disse que em 2015/2016 mais de 10 mil fogos poderão estar em condições de alienação aos próprios, já que termina o período imposto para impedir a venda do imóvel, ao abrigo do Programa Especial de Realojamento. “Não é com a alienação que a câmara municipal se vai salvar. São receitas residuais, mas necessárias à reabilitação”, notou.

rita.carvalho@sol.pt