A coragem ou o medo?

Toda a gente  está de acordo: Miguel Macedo fez bem em demitir-se.

Na política (como no futebol) os comentadores vão a reboque dos acontecimentos e poucos têm coragem para dizer: o ministro demitiu-se mas não o devia ter feito.

A maioria dos comentadores adiantou que Macedo “estava diminuído na sua autoridade”, e que teria a partir daqui muita dificuldade de relacionamento com os jornalistas, pois estes “estariam sempre a fazer-lhe perguntas sobre este caso”.

São argumentos que não colhem.

A autoridade do ministro estava diminuída perante quem? Perante as polícias? Quanto aos jornalistas, as perguntas duravam uma semana e depois acabavam. E um político tem de saber gerir situações dessas. Veja-se como Cavaco só responde ao que quer… 

Também se disse que, da parte de Macedo, a demissão foi “um acto de coragem”.

Ora, não sei se foi um acto de coragem – ou uma manifestação de medo.

Claro que seria sempre mais cómodo para ele sair do que ficar.

A partir de agora, não tem que dar mais justificações a ninguém.

Ninguém o chateia.

Mas para o país será melhor o ministro ter saído ou seria melhor ter ficado?

Se não teve nada que ver com o assunto (como ele próprio afirmou), se não nomeou um dos principais suspeitos, Manuel Palos (que caprichosamente foi escolhido por António Costa), se não interferiu minimamente na investigação (que, como é público e notório, decorreu com total independência do poder político), que vantagem tem para o país (ou para o sistema) a demissão do ministro?

Não vejo vantagem nenhuma – mas vejo desvantagens, pois o Governo perde uma peça importante. 

Miguel Macedo era um ministro com muita experiência e boa sensibilidade política, que neste aspecto dava espessura ao Executivo  (sobretudo depois da saída de Miguel Relvas).

E era competente e respeitado na sua área de actuação, como se viu pela forma superior como enfrentou o complicadíssimo caso que pôs polícias contra polícias na escadaria do Parlamento.

E não foi só isso.

Ele enfrentou com equilíbrio, autoridade e bom senso aqueles tempos loucos em que havia manifestações todos os dias, com os governantes – e o próprio Presidente da República – a serem perseguidos e apupados por manifestantes. 

Por isso, a oposição rejubila com a sua saída.

É uma baixa importante na equipa governativa.

Sempre fui contra a demissão de altos responsáveis – políticos ou não políticos – baseada em razões vagas.

As demissões ou assentam sobre motivos concretos ou são actos de fraqueza.

A 'responsabilidade política' invocada por Miguel Macedo – e em geral pelos comentadores -, é um conceito difuso, que explica tudo e não explica nada. 

Ou há responsabilidade ou não há.

Estive contra as demissões de António Guterres (de primeiro- -ministro), de Jorge Coelho (de ministro), de Marcelo Rebelo de Sousa (de líder do PSD), de Ferro Rodrigues (de líder do PS), de Vítor Bento (de presidente do Novo Banco, ex-BES), etc.

Miguel Macedo ou sentia ter alguma responsabilidade no assunto, por actos ou omissões – e nesse caso devia tê-la assumido -, ou estava certo da sua completa inocência – e devia ter ficado, enfrentando o escândalo e o que irá seguir-se.

A demissão não é solução – até porque a substituição de um ministro tem custos muito elevados.

Primeiro que um novo ministro domine perfeitamente a sua área é tempo que se perde.

São gabinetes que mudam, dossiês que ficam pendentes, decisões que se atrasam, às vezes políticas que sofrem indesejáveis inflexões de rumo – porque um ministro que chega não quer limitar-se a seguir à risca o caminho do antecessor.

Ainda por cima, a um ano de eleições não é fácil encontrar quem queira entrar para o Governo.

Assim, a nova ministra, por muito boa que seja, será sempre vista como uma solução de recurso, um remendo, um tapa-buracos.

Tendo tudo isto em conta, não posso deixar de dizer: Miguel Macedo fez mal em demitir-se. 

P.S. 1 – Toda a oposição elogiou Miguel Macedo por ter saído, e criticou Paula Teixeira da Cruz por ter ficado. Como o objectivo da oposição é, naturalmente, fragilizar o Governo, torna-se fácil perceber qual dos ministros fez a opção certa…

P. S. 2 – A propósito deste caso, o PCP voltou a pedir a demissão do Governo. Ora, se a demissão de um ministro é um erro, a demissão do Governo inteiro seria um erro a multiplicar por cem ou por mil. A queda de um Governo é um facto gravíssimo, com consequências importantes na credibilidade externa de um país, nos juros da dívida, etc. Como é que o PCP, que pretende ser levado a sério (e está sempre a protestar por isso não acontecer), diz coisas destas?

jas@sol.pt