2. Quanto a nós, dadas as nossas responsabilidades sociais e os entendimentos teórico-dogmáticos que desde há muito sufragamos – no ensino da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e a devoção à Justiça como valor, mas sem qualquer subserviência (apenas respeito e confiança) na Justiça como sistema -, considerámos mais sensato exercermos o nosso direito à reserva e à ponderação. Impunha-se deixar as autoridades de investigação criminal trabalhar com serenidade, não comprometendo a procura da verdade material com isenção (como foi feito) e o interrogatório decorrer com a máxima normalidade possível. Agora é o tempo de José Sócrates prestar contas com a Justiça – não com a política. É às autoridades judiciárias que José Sócrates terá de explicar (muito bem, com dados factuais – e não com as suas tiradas de “animal feroz”) o sue património incompatível com as declarações de rendimentos que anualmente apresentava ao Tribunal Constitucional. Será o mais difícil e duro confronto de José Sócrates – para se conseguir deslindar das malhas do Direito que o apertam, não bastará recorrer aos seus truques de retórica tão usuais. Agora, sim, José Sócrates vai explicar com rigor, honestidade e calma. Os juízes tomarão, em consciência e de acordo com o seu douto entendimento das leis aplicáveis, a decisão que se afigure mais justa. Sem pressões – nem, muito menos, agendas políticas.
3. Hoje, meus caros leitores, aproveito, ainda, para frisar que as reacções dos seguidores mais fanáticos de José Sócrates se revelaram surreais. A roçar o ridículo. Primeiro, Edite Estrela: esta ilustre socialista, como não poderia deixar de ser, recorreu à sempre útil “teoria da cabala”. José Sócrates foi detido por indicação do Governo para mitigar os efeitos políticos da detenção de responsáveis pela atribuição dos vistos gold. Tal comentário não merece – não pode – ser levado a sério: primeiro, a investigação já decorre há algum tempo; segundo, José Sócrates foi adiando sucessivamente a partida para Lisboa; terceiro, porque é um raciocínio que só prejudica mais o PS: as pessoas detidas, no âmbito do processo dos vistos gold, foram indicadas para os respectivos cargos pelo governo socialista – designadamente, por António Costa, na sua fase de Ministro de Administração Interna – , embora continuassem no exercício das suas funções no Governo PSD/CDS. O que está, pois, em causa é um certo “bloco central” de interesses que tomou de assalto a nossa democracia. Os juízes não estão reféns de agendas políticas. Para desgosto profundo de Edite Estrela.
4. Mas o texto mais caricato veio de outra Estrela: Estrela Serrano, animadora (literalmente, anima sempre muito) do blogue “Vaivem”. A tese de Serrano é boa e tem laivos de originalidade. Senão, vejamos:
Argumento 1: José Sócrates foi detido, vai ficar em prisão preventiva;
Argumento 2: A prisão preventiva de José Sócrates é uma medida dura e injustificada (afirma alguém que não tem formação jurídica e não conhece o processo);
Argumento 3: Mas a prisão preventiva é um passo em frente na carreira política de Sócrates: vai ser absolvido, este processo movido pelo PSD vai ser desmontado, José Sócrates irá converter-se numa vítima do sistema;
Argumento 4: Os portugueses terão pena de José Sócrates e votarão maciçamente no anterior querido líder de António Costa.
Argumento 5: José Sócrates, graças ao juiz Carlos Alexandre, vai ser Primeiro-Ministro novamente ou Presidente da República.
Bom, palavras para quê…Afinal, o PS não tem de se preocupar. O PS não tem de pedir desculpas aos portugueses. A Estrela Serrano explica: Carlos Alexandre quer José Sócrates na Presidência da República, por conseguinte, ofereceu-lhe um estágio antecipado numa cela no estabelecimento prisional da PJ.
5. O comentário de Estrela Serrano – como, noutro plano, do inefável João Soares – mostra que se formou, em Portugal, uma autêntica paranóia em torno de José Sócrates. Mesmo as pessoas mais racionais abdicam da sua argúcia analítica, da sua lucidez, apenas para defender a todo o custo Sócrates. E os adversários de José Sócrates, fazem do combate ao ex-Primeiro-Ministro a causa da sua vida. Porquê? José Sócrates não merece – não tem – tamanha relevância.
6. Os socráticos – que hoje dominam o PS – que se habituem: o socratismo, independentemente do juízo criminal, acabou. É o fim de um período negro – e que vai deixar mazelas por muito tempo – da democracia portuguesa.