O paradoxo do plástico

Olhe à sua volta. A menos que você seja uma daquelas pessoas que deixam os sapatos à porta de casa, fazem ioga, se recusam a comer alimentos não biológicos e só oferecem aos filhos brinquedos de madeira, é muito provável que tenha vários objectos de plástico ou com componentes de plástico no seu campo de…

O plástico é o mais camaleónico dos materiais. Pode imitar tudo: desde vidro a metal, da pele ao cimento, pedra, cerâmica ou madeira. O filósofo Roland Barthes, que lhe dedicou um texto muito poético em 1957 (por coincidência, há 57 anos), insistiu nesse ponto. “Até aqui os materiais de imitação significaram sempre pretensão, pertenciam ao mundo das aparências, não ao do uso; procuravam reproduzir de forma barata as substâncias mais raras, diamantes, seda, penas, peles, prata, todo o luxo cintilante do mundo. O plástico decaiu, é um material doméstico. É a primeira substância mágica que consente em ser prosaica”.

Quase se poderia dizer que tudo o que existe no 'mundo real' dos materiais naturais pode ser replicado numa espécie de 'mundo paralelo' de plástico. Um mundo de faz de conta. Instrumentos musicais, pratos e talheres, relógios, pistolas, bibelôs, jóias, mesas e cadeiras, casas – tudo pode ser de plástico. Até plantas e flores. Como dizem os ingleses: 'You name it'.

A intuição diz-nos que o plástico foi por excelência o material do século XX e a enciclopédia confirma-o: aquele que pode ser considerado o primeiro plástico foi sintetizado em 1909. Daí em diante o material ganhou novas variantes e novas utilizações – das canalizações à indústria aeronáutica -, ao ponto de podermos dizer que, depois das Idade da Pedra, do Bronze e do Ferro, se viveu a Idade do Plástico.

Hoje temos políticos de plástico, comida de plástico, dinheiro de plástico e até operações plásticas. Ainda ninguém cunhou a expressão, mas há certamente uma literatura de plástico (e não me refiro aos livros infantis que se usam no banho das crianças). 

A palavra plástico tornou-se entretanto sinónimo de descartável ou pouco duradouro, o que está longe de corresponder à verdade. O plástico não enferruja nem apodrece, é leve mas resistente. Isso torna-se evidente nos países menos desenvolvidos. Normalmente, nas imediações das grandes cidades há terrenos baldios onde se acumulam sacos e outros detritos plásticos que se percebe que ali estão há bastante tempo e que ali vão continuar por uns bons anos – pelo menos a fazer fé num pequeno quadro intitulado 'Qual é o tempo de decomposição dos resíduos?'. Diz ele o seguinte:

“Guardanapo de papel: 3 meses
Beata: 2 anos
Pastilha elástica: 5 anos 
Tecido: 100 a 400 anos
Garrafas de plástico: 100 anos 
Lata de alumínio: 100 a 500 anos
Saco plástico: 450 anos”.

Estes números revelam que o plástico, além de omnipresente, é quase imortal (aliás, esse era precisamente o título de um documentário que passou há tempos na televisão: O Plástico, Esse Imortal). Dura uma eternidade, ou perto disso. Mas há uma excepção: quando cai nas mãos erradas.

Gostaria de contar, a esse propósito, um pequeno episódio. Nas últimas férias do Verão comprei para os meus filhos uma pequena bomba de água para brincarem no mar. Trata-se de um brinquedo muito simples: a criança segura-o com uma mão e com a outra puxa uma pega, enquanto a extremidade toca na água. Depois só tem de empurrar essa pega para lançar um jacto em direcção à vítima.

A dita bomba, nas mãos dos meus filhos, durou menos de cinco minutos. O tempo de fazermos o trajecto desde a loja até ao carro. Como é possível que um material quase eterno não dure nem cinco minutos? Não sei. É um daqueles paradoxos para os quais penso que nunca encontrarei uma resposta. 

jose.c.saraiva@sol.pt