2. Pensando melhor, José Sócrates pode muito bem se ter inspirado num outro político nacional – o qual também se auto-qualifica como um terrível animal político. Referimo-nos a Mário Soares. Já todos antecipávamos que Mário Soares iria aproveitar o ensejo da prisão de Sócrates para aparecer rapidamente em força no palco mediático – o qual, segundo alguns indefectíveis soaristas, é o seu habitat natural, onde se sente bem e é feliz.
3. Desta vez, julgamos, no entanto, que a aparição de Mário Soares tem um significado político óbvio. Não, não e não: lamento desiludir os meus amigos que me tentaram convencer que Mário Soares apenas foi visitar José Sócrates porque estava esperançoso que o Estabelecimento Prisional de Évora fosse oferecer chanfana ao almoço, depois de ter oferecido cozido à portuguesa no dia anterior. Não: a motivação de Mário Soares não foi uma motivação gastronómica.
4. Ironias à parte, a verdade é só uma: Mário Soares foi o primeiro passo para a implementação da estratégia de defesa de José Sócrates. Muitos comentadores, na segunda à noite, chamaram à atenção para o facto de o advogado de José Sócrates não ter clamado pela inocência do seu constituinte, quando, num engano ensaiado e pensado, antecipou-se ao tribunal na divulgação da medida de coacção imposta a Sócrates. Disse-se, então, que a estratégia de defesa estava a ser demasiado suave, muito fraca, muito mansinha. Pois bem, afinal, podemos concluir hoje que já estava tudo pensado.
5. E os factos mostram que a notícia avançada pela comunicação social portuguesa de que José Sócrates já tinha conhecimento da sua detenção há um mês, começando aí o advogado a preparar a sua defesa, é verdadeira. Senão, vejamos.
6. João Araújo e José Sócrates sabem que juridicamente pouco poderiam fazer para evitar a detenção. Mas sabiam que os crimes que são imputáveis são difíceis de provar – e sabem que a justiça hoje é, sobretudo, uma justiça mediática. Ora, José Sócrates é muito bom na “chico-espertice” política e mediática – e construiu uma rede de contactos enorme enquanto Primeiro-Ministro. Logo, primeira estratégia do advogado de Sócrates: converter este processo num processo mediático, com a defesa a ser uma defesa de pressão mediática.
7. Ao mesmo tempo, que João Araújo fará uso de todos os meios processuais ao seu dispor, irá convocar algumas hostes socialistas para visitar e defender José Sócrates, atacar e humilhar o juiz Carlos Alexandre e (uma originalidade) José Sócrates, ele próprio, passará a dirigir mensagens para a comunicação social. Atacando – velha estratégia socrática – as “forças do mal”, os “canalhas” (quem não se lembra da frase: “ isto é tudo uma canalhice”!), lançando ameaças de que irá processar tudo o que mexe. Objectivo: pressionar os juízes que irão julgar o seu caso, todos os operadores judiciários, os políticos (um aviso à navegação socialista: “atenção, eu ainda não morri, vejam lá o que dizem…”, depois prestamos contas…”) – e virar a opinião pública contra os juízes e autoridades de investigação criminal. José Sócrates quer ter como seu grande aliado a opinião pública, para rebater a acusação que lhe é feita.
8. Ou seja, José Sócrates aborda da mesma maneira um processo judicial e um processo político. Ou, por outra, para José Sócrates, tudo na vida é uma luta política, em que os fins justificam todos os meios! O director do SOL, José António Saraiva, num artigo brilhantíssimo, explicou que Sócrates não consegue distinguir a verdade da mentira. Tem traços de mentiroso compulsivo. Mas é mais do que isso: para Sócrates, o método político resolve tudo. E é pelo método político que, na sua cabeça, estará a chave da sua “salvação”. No fundo, a defesa de Sócrates segue a estratégia de Carlos Cruz – mas mais sofisticada.
9. Dito isto, Mário Soares foi a Évora fazer um frete a Sócrates – e uma figura absolutamente degradante. Degradante para si e para a nossa Pátria – apesar de tudo, Soares é um ex-Primeiro-Ministro e um ex-Presidente da República. Impõe-se-lhe, pois, um dever de reserva. Reserva nos actos e reserva nas palavras. Que autoridade moral tem Mário Soares para atacar o juiz Carlos Alexandre quando foi ele, Mário Soares, que inaugurou em Portugal o justicialismo e a má educação como práticas políticas? Não foi Mário Soares que, há bem pouco, afirmou que Passos Coelho e todos os que estão no Governo não passam de “ignorantes, gatunos, aldrabões e ladrões”? E que deveriam ser punidos pela Justiça? Pelos vistos, presumivelmente, Mário Soares só se enganou no alvo. Coerentemente, Soares apenas pode felicitar o trabalho de Carlos Alexandre.
10. Mário Soares tem de se convencer, de uma vez por todas, que ainda é dono do PS – mas não é dono de Portugal. Soares não manda em Portugal. Graças a Deus! E o seu peso hoje é diminuto, para não dizer nulo.
11. Por último, importa dizer que Sócrates, sob o prisma da responsabilidade criminal, é presumivelmente inocente. É um princípio básico do Estado de Direito. José Sócrates, sob o prisma político, independentemente do desfecho do sue caso, é e, porventura, será por muitos e muitos anos, o pior Primeiro-Ministro da nossa História. É um princípio básico da lógica e do bom senso reconhecer tal evidência.