Afeganistão de sempre

É um livro demolidor e corajoso que trata de enfrentar os falsos mitos e ídolos que, desde o fim da Guerra Fria, servem de emblema à dita (e inexistente) comunidade internacional. O autor é Anand Gopal, repórter que se especializou na cobertura do Afeganistão, como correspondente do Wall Street Journal e do Christian Science Monitor. 

O livro chama-se No Good Men among the Living: America, the Taliban and the War through Afghan Eyes, (Metropolitan, N.Y. 2014). É uma história de treze anos de guerras do Afeganistão, guerras em que os aliados ocidentais – encabeçados pelos Estados Unidos – gastaram um trilião de dólares e envolveram cerca de um milhão de soldados e cooperantes civis.

Para quê? Eça de Queirós escreveu, nas Cartas de Inglaterra, uma 'Carta' sobre o Afeganistão. Se substituirmos a Inglaterra pelos Estados Unidos da América, temos um relato actual, uma história de frustração e inutilidade dos esforços do exterior para dominar os afegãos, este mosaico de tribos e regiões, ainda longe de ser um país e ainda menos uma nação.

Eça lembrava a repetição da História: “Os ingleses enviavam expedições poderosas para subjugar os afegãos: chegados a Kabul, sacodem do serralho um velho Emir apavorado, colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado na bagagem…”. Assim foi com os russos e americanos: no último quartel do século XX, os comunistas afegãos, apesar da brutalidade dos métodos, não conseguiram dominar as tribos que resistiam contra a 'modernização' socialista. Os russos tiveram de lá ir e deram com uma resistência maior. Dessa resistência e da decorrente humilhação soviética resultou a aceleração do final da URSS.

Como escrevia Eça, “os chefes tribais, messias indígenas, vão percorrendo o território e, com os grandes nomes da Pátria e da Religião, pregam a guerra santa”.

Também a 'guerra santa' – financiada pela CIA de Casey e pelos voluntários internacionalistas muçulmanos – pôs 120.000 soviéticos em fuga. Depois virou-se contra os americanos.

Livres dos soviéticos, os rebeldes afegãos mataram os colaboracionistas e tomaram o poder. Nesse Afeganistão instalaram-se os talibãs e os guerreiros de Bin Laden, que iam lançar o ataque aos Estados Unidos – obrigando Washington a correr com eles e a levar para o poder Hamid Karzai. E depois veio a nova revolta dos talibãs, a tal que, passado um trilião de dólares, milhares de mortos e milhões de refugiados, não foi vencida. E não será de espantar que os talibãs voltem a Cabul.

É esta última guerra que Gopal conta: uma história de senhores da guerra, de utópicos internacionalistas, de corrupção e desvio de recursos, de populações dizimadas, de erros de friendly fire, de um inexorável regresso dos talibãs, omnipotentes apesar das baixas e das promessas da NATO. É a história trágica do Ocidente-Oriente pós-Guerra Fria, com as suas cruzadas democráticas, com a sua retórica de 'bom governo' e 'desenvolvimento sustentado' como panaceias. O mundo não é assim e ai dos que acham que é.