Caso Sócrates pode travar enriquecimento ilícito

O caso Sócrates voltou a pôr o crime de enriquecimento ilícito na agenda do PSD. Teresa Leal Coelho já terá comentado a vontade de voltar a apresentar legislação sobre a matéria, ainda antes de o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, ter adiantado na quinta-feira em entrevista à RTP1 estar aberto a avançar com uma nova proposta…

Caso Sócrates pode travar enriquecimento ilícito

“Tem-se discutido muito essa ideia”, admite Carlos Abreu Amorim, assegurando que “a decisão não está tomada”. O deputado sublinha que se trata de “um instrumento eficaz” contra a corrupção, mas assume a delicadeza de resgatar a proposta agora. “Há uma velha máxima em direito: não legislar à boleia de casos concretos”, diz, numa alusão ao caso Sócrates. A futura lei nunca poderia contudo aplicar-se ao ex-primeiro-ministro, devido ao princípio que proíbe a retroactividade da lei penal.

O mesmo receio tem o deputado Hugo Soares. “Não devem ser casos concretos a impor o ritmo ao legislador”, avisa. De resto, vários outros elementos da bancada do PSD ouvidos pelo SOL temem que a ideia possa ser vista como “oportunismo”, ainda que continuem a apoiar a criação do crime de enriquecimento ilícito.

“Não se deve legislar no olho do furacão”, aponta um deputado do PSD, frisando, porém, que os últimos acontecimentos só vêm demonstrar a utilidade da criação deste crime. “Era uma forma de higienizar a vida pública. Teria sido útil ter esse instrumento”, comenta.

O assunto estará entregue à deputada Teresa Leal Coelho que, ao que o SOL apurou, começou já a recolher ideias para elaborar uma nova proposta. E avançar já com soluções que superassem as dúvidas levantadas pelo Tribunal Constitucional em 2012. O objectivo consiste em ter uma proposta pronta para apresentar no início do próximo ano.

O tema é uma das bandeiras da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que continua a defender a necessidade de criminalizar o enriquecimento injustificado, apesar de a proposta que foi aprovada na Assembleia da República em 2012 ter acabado por ser chumbada pelo Tribunal Constitucional (TC).

Na altura, os juízes do Palácio Ratton – para quem Cavaco enviou o diploma – consideravam que a lei proposta pelo PSD violava o princípio da presunção da inocência levando a uma inversão do ónus da prova. Ou seja, era o suspeito do crime quem tinha de provar que tinha obtido os seus rendimentos de forma lícita. Algo que levantava um problema jurídico grave.
A argumentação do TC fez cair a proposta, mas no PSD continuou a defender-se que a criação deste crime seria importante no combate à corrupção.

O PS, por seu lado, votou contra a proposta, precisamente por considerar que punha em causa a presunção de inocência. O caso torna-se ainda mais sensível precisamente por também no PS se temer a colagem entre nova legislação e o caso de José Sócrates.

“Existe consenso político, mas o que foi feito pelo PSD e pelo CDS em 2011 era inconstitucional e não podemos apoiar medidas que não passam no Tribunal Constitucional” disse, este sábado, ao Observador o deputado socialista Pita Ameixa, que viu na ideia avançada por Passos “uma jogada sub-reptícia” do primeiro-ministro.

A voz dissonante entre socialistas sobre esta matéria é a de João Cravinho que ainda este sábado, à margem do Congresso do PS, admitiu a importância da criação deste crime no combate à corrupção.

“Há que ser preciso quanto ao que está em causa, uma ofensa grave à credibilidade das instituições democráticas, que resulte do facto de haver agentes públicos que se mostrem na posse de bens consideráveis, que correspondam a um enriquecimento oculto. O Ministério Público tem de fazer o seu trabalho, tem de fazer a prova e a acusação e o indiciado, se quiser, fica em silêncio. Não há inversão de prova nenhuma”, disse ao jornal i.

Certo é que PS e PSD estavam já a trabalhar num pacote legislativo de combate à corrupção muito antes da detenção de Sócrates. As propostas incluem alterações ao Código Penal para responsabilizar pessoas colectivas e ao regime de responsabilidades dos titulares de cargos públicos. Mas o enriquecimento ilícito não consta das ideias que deverão ser votadas em plenário da Assembleia da República até ao final do ano.

margarida.davim@sol.pt