Fraudes nos estágios do IEFP

Cátia estava desempregada há perto de um ano. Depois de concorrer a vários anúncios, quase todos sem resposta, foi a uma entrevista de emprego onde lhe ofereceram um estágio profissional subsidiado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Aceitou sem pensar duas vezes, animada com a oportunidade. Não adivinhava que iria trabalhar largos meses…

Quando recebeu a proposta de emprego, Cátia não perdeu a oportunidade. “Apesar de já ter alguma experiência na área, pensei que podia ganhar currículo”, contou ao SOL, apesar de preferir não divulgar o nome da empresa, que opera na área de marketing digital.

Começou no novo trabalho em Setembro de 2013, mas o estágio só foi aprovado pelo IEFP quase no final do ano passado. Nesses meses, não recebeu qualquer salário. “Mas isso nem foi o pior”, lamenta. Depois de o estágio estar autorizado pelo IEFP, passaram meses e a empresa continuava “sem pagar um cêntimo”. Quando Cátia questionava os responsáveis, estes diziam que o IEFP ainda não tinha entregue o apoio em falta.

A situação arrastou-se até que, depois de muita insistência, começaram a pagar pouco mais que 400 euros por mês – um valor inferior ao estipulado no contrato de estágio profissional. Os valores variam entre cerca de 500 e 700 euros dependendo de vários factores, nomeadamente o grau de escolaridade.

Esta situação não é inédita. Miguel passou pelo mesmo, apesar de trabalhar noutro ramo de actividade. Esteve “quatro ou cinco meses à espera do primeiro ordenado que, para minha surpresa, era inferior ao acordado: não chegava aos 500 euros, quando teria de receber perto de 700 euros”.

Estes falsos estágios têm sido investigados pela ACT. No ano passado, esta entidade registou 54 infracções por dissimulação de contrato de trabalho – não possuindo, contudo, elementos estatísticos desagregados no âmbito dos estágios profissionais, esclareceu fonte oficial.

O organismo admite que tem recebido reclamações sobre falsos estagiários e tem actuado diversas vezes neste campo, em vários sectores de actividade. “O combate ao trabalho dissimulado, nomeadamente aos 'falsos estágios' tem sido uma prioridade de intervenção inspectiva da ACT”, sublinha a mesma fonte. O SOL contactou o IEFP, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.

Anúncios disparam

Nos últimos anos, o número de ofertas de emprego financiadas entre 80% e 100% pelo IEFP registou um aumento exponencial. As empresas procuram sobretudo jovens licenciados – por vezes pedem até experiência na área.

Com a taxa de desemprego a rondar os 13%, são vários os jovens até 35 anos – idade máxima abrangida por estes programas – que concorrem. Mas alguns são surpreendidos pela negativa logo na entrevista de emprego. Foi o caso de Daniel.

Depois de vários meses à procura de trabalho, recebeu um telefonema que o deixou entusiasmado. “Fui chamado para uma entrevista por uma empresa de marketing para gerir redes sociais através de um estágio do IEFP”, conta.

No final do longo questionário sobre a sua experiência profissional e características pessoais, a responsável fez uma declaração que Daniel estranhou: “Quanto ao ordenado, depois terá de ser discutido caso seja seleccionado para o cargo em questão”. Daniel questionou se o vencimento não era estipulado pelo IEFP, e a entrevistadora respondeu que sim. Mas acrescentou que podia sofrer um ajuste.

Daniel nunca soube qual seria o valor em causa, uma vez que não recebeu mais telefonemas da empresa. Por agora encontra-se a trabalhar na mesma área, também através deste tipo de programas, e até ao momento não tem queixas.

A mesma sorte não tiveram outros testemunhos recolhidos pelo SOL, que apontam para procedimentos semelhantes em várias empresas. Depois das entrevistas e dos testes, os candidatos são convidados a começar a trabalhar quase de imediato. Porém, passam vários meses até que os processos sejam aprovados ou que as empresas entreguem os requerimentos no IEFP. Os trabalhadores têm as mesmas responsabilidade e horários dos outros colegas durante esse período. Mas uns ficam a receber um subsídio de alimentação e transporte, de cerca de 150 euros, e outros nem isso.

O pagamento 'por fora' é outra das fraudes relatadas. Depois de vários meses à espera da luz verde do IEFP, há empresas que, impossibilitadas de aceder a mais estágios financiados por fundos públicos, optam por pagar por 'debaixo da mesa'.

Estima-se que existam cerca de 50 mil pessoas a frequentar estágios apoiados por fundos públicos. Os programas promovidos pelo IEFP têm como objectivo “a inserção de jovens no mercado de trabalho ou a reconversão profissional de desempregados”.

sara.ribeiro@sol.pt