Aeroporto. Impasse continua

Parecer vai ser entregue após reunião da comissão de acompanhamento que está marcada para dia 22, mas a decisão já será tomada pelo novo Governo. Opções são muitas

A decisão sobre a localização do futuro aeroporto internacional vai estar nas mãos do futuro Governo. Mas, para já, o Executivo ainda em funções recebeu esta semana o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), sendo que só a partir do dia 22 de março ocorrerá a cerimónia formal de recebimento do relatório pelo Governo, referiu ao Nascer do SOL a coordenadora da CTI, Maria Rosário Partidário. «O presidente da comissão de acompanhamento convocou uma reunião para dia 22 de março para emitir o parecer e este será entregue formalmente ao Governo nessa altura, tal como a resolução do Conselho de Ministros nos obriga». Já em relação a uma decisão, «será inevitavelmente tomada pelo futuro Governo». 

A responsável apela a que haja um consenso entre os dois principais partidos, tal como já foi conseguido no passado. Caso contrário, admite que estar-se-á a «desperdiçar dinheiro dos contribuintes».

Ainda esta semana, António Costa afirmou que qualquer decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa é boa, porque será tomada «com base na melhor informação técnica disponível», acrescentando que o próximo Governo, quando entrar em funções , estará «em condições de decidir a localização do aeroporto».

Ao nosso jornal, o especialista em aviação Pedro Castro recorda que o aeroporto de Lisboa «foi um não tema nesta campanha e o segundo aeroporto de Lisboa não é um tema nacional». E diz que, perante todos os problemas que o país atravessa – incluindo o do endividamento público em termos absolutos e a parca produção de riqueza –, o que espera é que o Governo coloque este estudo «numa gaveta e exerça o seu papel de proprietário da infraestrutura capaz de criar um ambiente de certeza para o operador investir em obras na Portela».

Opções para todos os gostos

A versão final do relatório aponta cinco opções estratégicas e acrescenta mais três, avaliando num total oito (ver infografia) e deixa várias recomendações aos futuros decisores sobre a solução para o reforço da capacidade no aeroporto de Lisboa, que em grande parte não constavam da versão preliminar,sendo que em uma delas passa por levar a cabo a revisão urgente do contrato de concessão com a ANA. «O contrato de concessão, dada a sua complexidade, será uma das condicionantes mais importantes face à urgência da solução para a expansão da capacidade aeroportuária, pelo que deve ser das primeiras questões a ser revista», revela o documento, lembrando que contrato dá à ANA o direito de preferência em relação ao novo aeroporto de Lisboa num raio de 75 quilómetros em relação ao Humberto Delgado. Além disso, apresenta custos, o tempo de execução e a capacidade com uma e duas pistas para todas as oito soluções estudadas. 

Uma decisão que levou Pedro Castro a apresentar cartão vermelho. «Falhou a opção de não construir o novo aeroporto de Lisboa». Ao Nascer do SOL, o especialista reitera a ideia que tem vindo a defender: «Partiu-se do pressuposto inquestionável na sua oportunidade e na sua atualidade de resolver um ‘problema’ com a mesma solução de 1970», mas lembra que  «o erro original desta falha está no mandato viciado que foi aprovado no conselho de ministros e que criou esta Comissão. Limitou-a à solução aeroportuária e limitou-a geograficamente à região de Lisboa».

Pedro Castro atira que os membros da Comissão aceitaram estas limitações «em nome da ciência, da objetividade e da independência da academia que representam», mas «deveriam ter recusado trabalhar num projeto nessas condições».

Quanto às opções, Maria Rosário Partidário não hesita em afirmar que o Campo de Tiro de Alcochete continua a ser visto como a melhor opção e diz mesmo que a justificação em relação a essa decisão já foi dada até à exaustão. O documento recomenda que «a expansão da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa se concretize através de um aeroporto único, que integre numa mesma infraestrutura as funções de hub intercontinental conjugadas com a conexão ponto a ponto». 

Uma solução que não surpreende o especialista em aviação. «Com a composição daquela comissão, que teve toda a liberdade de escolher os estudos pelos ajustes diretos que quis e com o presidente da comissão de supervisão escolhido, nem poderia ser de outra forma», atirando que a CTI «surgiu em substituição de um consórcio de empresas pré-qualificadas que ganhou um concurso público internacional promovido pela Autoridade da Mobilidade e Transportes. Isto foi uma autêntica subversão das regras do Estado de Direito e das leis europeias da concorrência, mas neste país tudo é permitido quando se diz que vêm aí os espanhóis».

Outra hipótese, segundo o mesmo documento, é Vendas Novas, que apresenta «mais vantagens do ponto de vista ambiental, com menor afetação de corredores de movimentos de aves e recursos hídricos subterrâneos, apesar de afetarem áreas de montado e recursos hídricos superficiais de forma muito equivalente». 

Por outro lado, a opção Humberto Delgado + Montijo, ou Montijo como aeroporto único, a CTI alerta para constrangimentos, como a «não renovação da DIA [Declaração de Impacto Ambiental]» na solução dual, que «assim perde a sua vantagem na rapidez de execução». E acrescenta que este modelo é ‘desvantajoso’ no longo prazo «porque se limita a adiar o problema do aumento real da capacidade aeroportuária, tendo em conta as projeções de aumento da procura, mesmo as mais modestas».

Já Santarém continua a estar em cima da mesa. No entanto, Maria Rosário Partidário chama a atenção para o facto de esta opção manter os mesmos condicionalismos, uma vez que não pode ser constituído como um hub intercontinental. «Não mudou nada em relação à versão inicial. Agora a única coisa que admitimos é que o aeroporto de Santarém de ser complementar ao da Portela mas aí a Portela não pode fechar». Ainda assim, aponta para algumas limitações. «Terá de ter voos limitados, não vai poder substituir a necessidade de ter uma aeroporto único, poderá é a curto e a médio prazo aliviar a Portela, mas mais do que isso não», diz.

Argumento que não convence o presidente da Câmara de Santarém, que fala em falta de «vontade técnica e política», acrescentando que os problemas apontados em Santarém pela CTI são «ultrapassáveis» e os mesmos apontados em Vendas Novas e Alcochete, mas aí os entraves poderão ser resolvidos. 

Pouco convencido que Santarém avance está Pedro Castro, que considera que esta é uma «carta fora do baralho» e que tem tudo contra essa solução: «O concessionário, os ministros centralistas, a comissão, os lisboetas, os influencers e ‘tachistas’ com tudo já combinado para a opção pretendida pelo ‘Estado todo poderoso’. O mérito desta mudança é de quem está por detrás deste projeto e que não se dá por vencido». Por outro lado, considera que «reintegrar Santarém é a prova que, bem encostada à parede, esta Comissão ‘aceita’ integrar uma solução técnica plausível que contraria a sua agenda adjetivada de política e dependente por vários comentadores. Por fim, a Comissão quer a todo o custo ‘acertar’ numa solução qualquer. É como jogar ao Euromilhões e querer acertar nos números da sorte. Com tanta mudança governativa, o melhor é ter lá uma alínea a dizer que sim, Santarém também ‘pode ser’»