A melhor aluna de MBA do mundo: ‘Acho exagerado considerarem-me um exemplo’

Marta Cunha foi considerada a melhor aluna de MBA do mundo e elogiada por conciliar o mestrado com a actividade profissional e familiar. Tem dois filhos, que pretende agora recompensar pelas ausências ao longo do último ano.

A melhor aluna de MBA do mundo: ‘Acho exagerado considerarem-me um exemplo’

Quando subiu ao palco do Royal Institute of British Architects, em Londres, Marta Cunha apenas esperava conseguir uma das três menções honrosas. Estava de «cabeça baixa», convencida de que o prémio de estudante de MBA do ano – atribuído pelo jornal britânico The Independent e pela AMBA, a principal associação internacional de mestrados em administração de negócio – iria para um dos outros cinco finalistas. Quando disseram o seu nome, a surpresa foi total e até tiveram de a chamar para o discurso. Acabou por sair da gala, a 30 de Outubro, não só com o prémio principal (pela primeira vez atribuído a um português), mas também com os rasgados elogios de Andrew Main Wilson, o director da AMBA. Atento ao facto de a aluna do mestrado executivo da Porto Business School (PBS), de 38 anos, ser mãe de dois filhos (de seis e dois anos), considerou-a um «modelo inspirador para outras mães profissionais e trabalhadoras», destacando-a ainda como «uma força da natureza» e «guru das ideias».

«Sou uma privilegiada», conta ao SOL a aluna do ano. «Há pessoas com vidas muito mais complicadas do que a minha. Acho exagerado considerarem-me um exemplo, mas não se pode dizer que estudar e trabalhar é fácil. Quem tem filhos sabe que a nossa vida muda muito, porque as crianças nos tiram o tempo todo. São maravilhosas, mas precisam de nós». A portuense, licenciada em Gestão pela Universidade do Porto (UP), trabalha há 14 anos na Sonae (primeiro e único empregador da carreira) como gestora de inovação para a área de retalho, e confessa que só «passado uns dias» é que se apercebeu da dimensão do prémio. Quando lhe ligaram a dizer que Marcelo Rebelo de Sousa a tinha mencionado no seu comentário televisivo semanal, começou a ter uma melhor noção do mediatismo que a esperava.

Antes disso, já se tornara popular na própria empresa. Quando abandonou o palco da gala, a primeira mensagem foi dirigida ao marido – curiosamente ex-aluno da Porto Business School, também licenciado em Gestão pela UP –, mas a segunda foi dirigida à chefia. De imediato começaram a ‘chover’ telefonemas e mensagens da Sonae, incluindo de Belmiro Azevedo, presidente do Conselho de Administração, e de Paulo Azevedo, presidente executivo. «Foi muito carinhoso da parte deles. Ambos me enviaram mensagens a dar os parabéns pelo que tínhamos atingido, de uma forma muito pessoal. Fiquei muito sensibilizada».

Gerir o tempo

Com uma média de 18 valores quando apenas falta entregar o trabalho final, Marta Cunha revelou-se uma estudante exemplar ao longo do último ano, mas não foi apenas isso que o júri (composto por um elemento da AMBA, outro do The Independent e ainda executivos da Google e da Nike) avaliou. Na entrevista final, em Londres, surpreenderam-na com perguntas e instruções como ‘fale 30 segundos sobre o que quiser’, testando a capacidade de comunicação e entusiasmo da portuense. «Sou um bocado faladora e tinham de me interromper e passar à próxima pergunta. Saí de lá a pensar que não os tinha convencido, porque mantiveram sempre uma postura extremamente fechada, julgo que por estratégia», recorda.

No entanto, nada teria sido possível sem as excelentes classificações e a admiração dos colegas de turma, que a elegeram como uma de duas representantes do MBA executivo. Depois da PBS a escolher como candidata da escola, em competição com alunos de todas as instituições acreditadas pela AMBA, em 22 países, foram tidos em conta factores curriculares, profissionais e outros mais subjectivos para se chegar aos seis finalistas. A preparação para a final – Marta estudou os adversários e formas de impressionar o júri – foi mais uma tarefa a acumular numa agenda diária que lhe tirou a possibilidade de usufruir de tempos livres. Ir ao teatro ou ler algo fora do âmbito da Harvard Business Review (uma revista que é uma verdadeira bíblia para os gestores) ficou «fora de questão».

A rotina passou a ser orientada de forma a aproveitar cada segundo e manter os hábitos dos filhos, aos quais se vai voltar a dedicar de «corpo e alma» mal termine o MBA. «Tentava sair do trabalho a horas decentes, nunca depois das 19h00, para poder ir buscar os miúdos, estar com eles, dar-lhes o banho e o jantar, até se deitarem às 21h30. Depois começava a estudar até onde a resistência permitisse. Deixei de ter tempo para mim e para a vida de casal». O domingo era dedicado exclusivamente à família – «é o dia das brincadeiras, dos legos e para ir ao cinema» –, pelo menos até as crianças se deitarem.

Marta Cunha recusa a ideia de ser uma super-mulher ou a versão feminina do ‘Homem Sonae’ (uma cartilha para os colaboradores da empresa criada por Belmiro de Azevedo em 1985). Apenas quer que fique o exemplo de que as mulheres com filhos não se devem resignar à ideia de não ter tempo para continuar a sua formação. «Acho que o equilíbrio é fundamental e as pessoas têm de o encontrar. Pode haver períodos de pico de trabalho ou estudo, mas depois isso tem de ser compensado. Se não equilibrarmos a vida familiar e profissional e os estudos, naturalmente o nosso desempenho vai começar a piorar. Acredito muito nisto».

Embaixadora dos MBA

Foram os próprios responsáveis da Sonae a incentivar Marta Cunha a inscrever-se no MBA, apesar de terem de lhe ceder as sextas-feiras, um dia exclusivamente dedicado às aulas. «Sabiam que tinha interesse, mas a própria empresa financiou na totalidade o curso. Fazer o MBA fazia parte da minha função durante este ano, o que não significa que a exigência tenha sido diminuída. Os objectivos tinham de ser cumpridos, mas o mestrado não era um mero extra».

Durante o próximo ano, a gestora vai funcionar como espécie de embaixadora dos MBA, o que pode acarretar novas ausências do trabalho. Mas por certo a Sonae não levantará objecções, porque a mente da gestora vai continuar a fervilhar. «Uma das minhas missões é criar um ambiente seguro e confortável, para que as pessoas atirem ideias fora do alcance, que depois trazemos à terra. Costuma dizer-se que uma ideia tem de ser inicialmente absurda para haver esperança para ela», explica. A gestora lidera uma equipa de cinco pessoas que funciona como facilitador da inovação dentro do grupo Sonae e pela qual já passaram novidades como as caixas de auto-atendimento nos supermercados Continente.

Agora, Marta quer terminar o MBA «em beleza», mas não espera uma promoção imediata motivada pelo prémio internacional, até porque considera que a actual empresa sempre lhe permitiu evoluir. Acima de tudo quer desafios: «Venham eles. Que me façam querer aprender sempre, pois isso vai-me tornar mais versátil e permitir ser uma peça que pode ser encaixar em diferentes áreas».