O título pode induzir em erro: inspira-se numa das obras em exposição pela primeira vez, O Pierrot que nunca ninguém soube que houve, mas não é formado apenas por material inédito. “Durante as minhas investigações encontrei uma série de coisas e a primeira vez que vi O Pierrot foi em 2007, 2008”, conta Sara Afonso Ferreira.
“Mas era preciso haver um contexto para o apresentar”, diz. Proveniente da colecção dos herdeiros de Maria Madalena Silva Amado (a bailarina e amiga de Almada, conhecida como a Tareca do Clube das Cinco Cores), O Pierrot que nunca ninguém soube que houve – um título que assenta como uma luva – é um livro de artista, ou seja, totalmente feito à mão, com desenhos e texto. Para contornar a impossibilidade de os visitantes manusearem este livro, um ecrã mostra esta criação – e de outras obras – na sua totalidade, além da capa. Da mesma colecção particular, revelam-se o manuscrito do poema 'La Lettre', o desenho 'A Flôr' e duas aguarelas 'A Invenção do Dia Claro'. Já oriundo da família de Almada Negreiros são dados a conhecer um caderno com as ilustrações originais da banda desenhada Era Uma Vez, publicada no jornal O Sempre Fixe, cadernos dedicados às pesquisas geométricas do artista e a maqueta autógrafa de Orpheu 1915-1965.
Os livros e o seu contexto
Mas há mais além do material agora a descoberto. Não sendo uma exposição documental, parte dos livros de artista – uma criação que percorre a vida e obra do poeta e pintor – e “não está propriamente organizada cronologicamente, a lógica é a de mostrar obras no seu contexto estético”, explica Sara Afonso Ferreira (a curadora, além de ultimar um doutoramento sobre Almada Negreiros, é autora da edição crítica e anotada do Manifesto Anti-Dantas e foi responsável pela edição de Obra Literária de José de Almada Negreiros na Assírio & Alvim).
No primeiro núcleo, o visitante é logo confrontado com o Almada performer: além do díptico de fotografias que reproduzem cenas clássicas, captadas por Vitoriano Braga, há a reprodução de uma extraordinária imagem de Almada Negreiros como boxeur, publicada na revista Contemporânea, em 1922. Depois apresentam-se os primeiros livros relacionados com as experiências de vanguarda do Orpheu, entre 1915 e 1917, como K4 O Quadrado Azul ou Litoral (“um folheto que abre em harmónio, que se lê de forma panorâmica”).
Outros dois núcleos estão intimamente ligados: são sobre o Clube das Cinco Cores e A Invenção do Dia Claro – notável a série de cartões com excertos da história, feitos com dedicatória a Tareca e a Lalá, ou dois dos três caligramas (poemas visuais) que se conhecem de Almada. Por fim, os outros dois núcleos apresentam obras que expressam a ideia de unidade e a pesquisa do artista relacionada com a geometria e o número.
'Almada Negreiros: o que nunca ninguém soube que houve' está patente até 29 de Março e a entrada é livre.
Por lapso este texto saiu truncado na edição de hoje do SOL, com as desculpas aos leitores aqui o republicamos na íntegra.