“As unidades de saúde estão saturadas de internos, pois fecharam-se estabelecimentos e fundiram-se serviços, mas ao mesmo tempo há mais jovens licenciados em Medicina pois aumentaram os números clausus nas faculdades” – alerta ao SOL o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, explicando que a situação leva a que este ano, “pela primeira vez” , o número de jovens médicos candidatos à especialidade seja muito superior às vagas existentes nos hospitais autorizadas pela OM.
No início da semana, havia 1.562 candidatos e apenas 1.515 lugares no concurso para os licenciados poderem entrar numa especialidade médica – cujo mapa de vagas estava previsto ficar concluído na sexta-feira, apurou o SOL. “Pela primeira vez não há lugar para todos. O ano passado correu-se o risco de isso suceder, mas mais de 200 desistiram e isso permitiu que todos os candidatos conseguissem um lugar”, recorda o bastonário. Agora, “existe a possibilidade de entre 20 a 40 colegas não terem vagas disponíveis”.
Mas fonte oficial da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) – entidade do Ministério da Saúde responsável por estes concursos nos hospitais – garantiu ao SOL que “estão a ser feitos todos os esforços” no sentido de encontrar as vagas necessárias. Além disso, nota a mesma fonte, muitos dos candidatos podem desistir.
Para que possam ser abertos lugares, a OM tem de atribuir idoneidades científicas aos serviços hospitalares, definindo quantos jovens têm capacidade para formar.
Faltam 600 anestesistas
Com base nestes dados, a ACSS elabora depois um mapa de vagas às quais os licenciados que acabaram o primeiro ano de estágio podem candidatar-se para tirar uma especialidade médica. Até agora, todos os que concorriam entravam. “Mas isso acabou”, garante José Manuel Silva, acrescentando que a ACSS já foi informada de que no próximo ano o cenário corre o risco de ser ainda pior. Até porque, nota, este ano a Ordem fez já um “esforço muito grande” para conseguir autorizar 1.515 vagas, “o valor mais elevado dos últimos anos”. Isso foi possível, segundo José Manuel Silva, devido “à área da medicina geral e familiar, onde este ano há mais 50 lugares do que em 2013”.
Já nas especialidades hospitalares a situação é diferente, existindo casos em que o número de candidatos ainda é reduzido, comparando com as necessidades reais.
Um dos maiores problemas é na anestesia. A falta destes profissionais tem obrigado a que muitos hospitais do país adiem sucessivamente cirurgias. Apesar disso, apenas serão abertas este ano 68 lugares para novos anestesistas, uma vez que não há médicos para os formar.
Segundo Rosário Órfão, presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (SPA), faltam cerca de 600 anestesistas no país, mas os hospitais não têm actualmente capacidade para formar muito para além daqueles 68 que vão entrar. “As vagas abertas são as que a Ordem considerou, e bem, corresponderam à capacidade formativa dos serviços. E não vale a pena ter mais se não há garantias de que depois serão anestesistas de qualidade” – explicou ao SOL Rosário Órfão, acrescentando que, além de existirem nos hospitais poucos médicos para formar, muitos dos que lá trabalham pertencem a empresas externas, sendo contratados ao dia, não tendo capacidade para ensinar.
“Não basta aumentar as vagas. É preciso também lançar políticas para captar os jovens que estão a ir para o estrangeiro, onde têm melhores condições financeiras e de progressão na carreira”, conta a presidente da SPA, que dá o seu exemplo: está a 10 anos no mesmo escalão.
O recurso ao sector privado é uma das formas de resolver o problema. Pela primeira vez, a Ordem deu autorização para um estabelecimento privado dar formação aos jovens anestesistas: segundo dados da SPA, duas das 68 vagas vão ser abertas no Hospital da Luz, em Lisboa.
Nova lei muda internato
Nos últimos dias, a ACSS e a OM estiveram em conversações para tentar arranjar soluções para o problema – que se agrava por aqueles que ficarem agora de fora do sistema de saúde não poderem depois exercer medicina (como não especialistas) durante o tempo que esperarem para se recandidatarem outra vez.
“É urgente publicar o novo decreto-lei sobre o internato médico, que reivindicamos há três anos, que irá permitir que os jovens que não entrem na especialidade possam exercer como não especialistas, trabalhando numa empresa ou nas urgências” – explica o bastonário. Em causa está um novo diploma, que deverá ser publicado no início do próximo ano, que prevê que os licenciados em Medicina possam ter autonomia para exercer ao fim de um ano de prática e não de dois anos, como obriga a legislação actual.
Quando concluem o 6.º ano do curso, os recém-licenciados têm de fazer um ano de estágio (ano comum) e depois candidatam-se a uma especialidade. “Com a lei actual, só quem entra na especialidade consegue atingir os dois anos de treino. Os que não arranjam vagas ficam proibidos de exercer, mesmo como não especialistas, sendo obrigados a ficar parados”, sublinha o bastonário, adiantando que o novo decreto-lei irá permitir que com apenas um ano se possa ter autonomia.
A Ordem aguarda uma resposta do Ministério da Saúde à proposta que fez de criação de uma comissão que garanta que o 6.º ano do curso seja mais profissionalizante.
Este diploma visa introduzir outras alterações no internato médico. A prova nacional de seriação, feita no 6.º ano, será alterada e, nestes concursos de acesso à especialidade, terá um peso de 80% (e não de 100% como actualmente), sendo os restantes 20% relativos à média do curso.