Na mitologia grega, Atlas foi condenado a carregar o céu aos ombros. Na obra de Ana Borralho e João Galante é uma metáfora da organização social humana, através da função que cada um desempenha na sociedade. Em palco, cada elemento junta à sua profissão uma mensagem. Seja ela qual for. “Há gente que chega aqui e sabe exactamente aquilo que quer dizer. Para outras pessoas é um processo criativo ao longo da semana de ensaios, em que nos vamos conhecendo”, explica João Galante, o director artístico.”Mal percebem o projecto começam logo a fazer sugestões. Aceitamos muitas ideias, mas temos sempre de ter em atenção a narrativa do trabalho”.
A peça subiu ao palco pela primeira vez em 2011, no Teatro Maria Matos, em Lisboa. O que era suposto ser um acto isolado acabou por ser o início de uma tournée que está há três anos na estrada. Suíça, Grécia, Itália, Brasil, Eslovénia, Bélgica, Estónia, Hungria e Polónia figuram no currículo de ATLAS. O resultado de cada viagem é sempre uma surpresa. “Em cada local as pessoas e os seus problemas são diferentes. Os sonhos e ambições são distintos. Se no início a estrutura era muito formal, hoje é mais flexível, dependendo dos intervenientes”, diz o director, visivelmente feliz com percurso do seu trabalho. “Comecei por pensar nisto como um quadro com 1.000 artistas. Depois quase foi uma peça de rádio. Hoje tem vida própria em palco”.
Tanta vida que às vezes se torna difícil de controlar. Como aconteceu em Itália. “Os italianos fazem o que querem. São um caos”, recorda Catarina Gonçalves, uma das colaboradoras artísticas do projecto. “Os finlandeses são o oposto. São muito disciplinados e é preciso provocá-los para fazer aparecer a sua individualidade”.
Motivações de palco
São várias as motivações que levam as pessoas a quererem participar no projecto. “Há quem queira reivindicar, há quem se sinta sozinho e procure conhecer pessoas, há quem tenha curiosidade sobre o processo criativo que envolve tanta gente… Há um pouco de tudo”, assegura Tiago Gandra, outro dos colaboradores artísticos.
Do lado dos intérpretes, José Alberto Rocha é proprietário de uma loja de ferragens na Rua do Almada há vinte anos. Desde que uma cliente lhe disse que tinha jeito para representar ficou com o bichinho. “Quando percebo que estou a vender para alguém ligado ao teatro, deixo o recado que estou aberto a uma participação. Desde que não tire o trabalho a actores”, refere o lojista, bem-disposto. A informação que tem sobre ATLAS é nula: não sabe o teor, o que terá de fazer, nem sequer ao certo em que dia estreia. Sabe apenas que tudo deve acontecer dentro da disponibilidade que mostrou. Este comunicador nato diz que não está nervoso. “A loja já é uma espécie de teatro. Estamos sempre a entreter os clientes. Isto às vezes enche e se estivermos muito sérios o tempo de espera é mais custoso. Se fizermos umas brincadeiras é mais divertido para todos”.
Vitória Sousa, pelo contrário, está bem informada acerca do que se vai passar em palco. É a responsável pela área administrativa do Teatro Rivoli e vai passar pela primeira vez dos bastidores para as luzes da ribalta. Já pisou o palco mas nunca para actuar. Gosta do cariz social e reivindicativo da peça e diz-se ansiosa e nervosa com a experiência. “Temos de aproveitar as mudanças que a vida nos traz. Acho que não vou enveredar pela carreira artística ao fim destes anos, mas às vezes há surpresas”.
Quando a cortina sobe é para todos
Em ATLAS há lugar para todos. A aceitação do outro e das suas ideias é um dos pilares deste trabalho agregador. Apesar da simplicidade da ideia, a peça acaba por romper com algumas estruturas rígidas. A experiência pressupõe um crescimento pessoal para todos. Até para o próprio director artístico. “Já tivemos de tudo”, garante. “Um embaixador de vida alienígena, de uma fundação ET de Lisboa; um xamã italiano que jurava ter 500 anos de idade; um electricista de teatro que confessou que achava que os artistas não trabalhavam; um banqueiro suíço que dizia que os bancos não tinham nada a ver com a crise mundial e um ciclista urbano brasileiro que nos surpreendeu em palco com um 'ohm' infinito”.
Mesmo depois das cortinas descerem, ATLAS continua presente nas cidades por onde passa. “As pessoas acabam por ir daqui com uma noção da sua individualidade, mas com a consciência que cada um suporta o colectivo de uma forma específica. Nunca ninguém saiu como entrou”, conclui a colaboradora artística Catarina.
A próxima paragem, já em Janeiro, é em Saint-Jalles-en Medard e em Nanterre (França). Mas a julgar pelos últimos meses, o calendário de 2015 promete muitas viagens por territórios humanos e geográficos desconhecidos.