Depois de a sua intervenção na troca de prisioneiros entre Cuba e os EUA ter merecido reparos nos sectores mais conservadores da Igreja, a mensagem de Natal do Papa à Cúria podia ter preocupações diplomáticas. Mas com Francisco não é assim.
Hoje, falando aos responsáveis de topo do Vaticano – cardeais, bispos e padres – exortou-os à mudança, deixando para trás “males, disfunções e doenças”. A Cúria “é chamada a superar-se e crescer em comunhão, santidade e conhecimento de forma a poder cumprir a sua missão”, acrescentou.
Não poupando nas palavras, aconselhou quem contraiu “a doença de se sentir imortal, imune ou até mesmo essencial, negligenciando os seus deveres” a uma visita aos “cemitérios para ver os nomes de tantas pessoas, entre elas algumas que provavelmente pensavam ser imortais, imunes e indispensáveis”.
“É a doença do rico insensato do Evangelho”, continuou, “que pensava que vivia eternamente, e também daqueles que se tornam senhores e se sentem superiores a todos e não ao serviço de todos. Muitas vezes isto decorre da patologia de poder, o ‘complexo do Eleito’, o narcisista que olha apaixonadamente a sua imagem e não vê a imagem de Deus estampada no rosto dos outros, especialmente os mais fracos e necessitados”.
Outro ponto forte do discurso foi a acusação de “esquizofrenia existencial” dos que “vivem uma vida dupla fruto da hipocrisia típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que licenciaturas e títulos académicos não podem preencher”.
No final recorreu ao humor, dizendo que “os sacerdotes são como os aviões, só são notícia só quando caiem”, mas sublinhando que a frase revela “quanto mal poderia causar a todo o Corpo da Igreja um só sacerdote que cai”.
Quando terminou não recebeu aplausos entusiásticos. A Associated Press relata que poucos sorriam enquanto ouviam o Papa a elencar as 15 “doenças da Cúria”.
A AP recorda ainda que estes tradicionais votos de Natal chegam num período de tensão para o coração administrativo da Igreja Católica, já que Francisco e os nove cardeais que são os seus principais conselheiros tencionam alterar o funcionamento desta estrutura.
A Rádio Vaticano resumiu aqui os 15 males que o Papa detectou na Cúria e defendeu serem “um perigo” para qualquer cristão ou comunidade:
“1. Sentir-se imortal ou indispensável – ‘Uma Cúria que não faz autocrítica, que não se actualiza é um corpo enfermo’. É o ‘complexo dos eleitos, do narcisismo’;
2. Martalismo – provêm de Marta – é a doença do excesso de trabalho – os que trabalham sem usufruírem do melhor. A falta de repouso leva ao stress e à agitação;
3. A mentalidade dura – ou seja, quando se perde a serenidade interior, a vivacidade e a audácia e nos escondemos atrás de papéis, deixando de ser ‘homens de Deus’;
4. A excessiva planificação – ‘quando o Apóstolo planifica tudo minuciosamente e pensa que assim as coisas progridem torna-se num contabilista’. É a tentação de querer pilotar o Espírito Santo;
5. Má coordenação – quando se perde a comunhão e o ‘corpo perde a sua harmoniosa funcionalidade”;
6. O Alzheimer espiritual – esquecer a história do encontro com Deus. Perda da memória com o Senhor. Criam muros e são escravos de ídolos.
7. Rivalidade e vã glória – quando o objectivo da vida são as honorificências. Leva-nos a ser falsos e a viver um falso misticismo.
8. Esquizofrenia existencial – ‘vivem uma vida dupla fruto da hipocrisia típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que licenciaturas e títulos académicos não podem preencher’. Burocratismo e distância da realidade. Uma vida paralela.
9. Mexericos – nunca é demais falar desta doença. Podem ser homicidas a sangue frio. ‘É a doença dos velhacos que não tendo a coragem de falar directamente falam pelas costas’. Defendamo-nos do terrorismo dos mexericos;
10. Cortejar os chefes – Carreirismo e oportunismo. ‘Vivem o serviço pensando unicamente àquilo que devem obter e não ao que devem dar’. Pode acontecer também aos superiores;
11. Indiferença perante os outros – quando se esconde o que se sabe. ‘Quando por ciúme sente-se alegria em ver a queda dos outros em vez de o ajudar a levantar’;
12. Cara fúnebre – para ser sérios é preciso ser duros e arrogantes. ‘A severidade teatral e o pessimismo estéril são muitas vezes sintomas de medo e insegurança’. ‘O apóstolo deve esforçar-se por ser uma pessoa cortês, serena, entusiasta e alegre e que transmite alegria…’. ‘Como faz bem uma boa dose de são humorismo’;
13. Acumular bens materiais – ‘Quando o apóstolo tentar preencher uma vazio existencial no seu coração acumulando bens materiais, não por necessidade, mas só para sentir-se seguro’;
14. Círculos fechados – viver em grupinhos. Inicia com boas intenções mas faz cair em escândalos;
15. O lucro mundano e exibicionismo – ‘quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder e o seu poder em mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poder’.