Em casa de Manuela Nunes, em Cabriz (Sintra), o lugar do tradicional peru é ocupado essencialmente por vegetais, “sempre que possível biológicos” – precisa a bióloga de 43 anos, que decidiu deixar de comer carne em 1996, “essencialmente motivada pela defesa do bem-estar animal”. Porém, explica, lá em casa esta substituição não se faz à risca: “Fazemos assados no forno com aquilo que temos, não há uma imitação” (dos pratos tradicionais).
Quando a noite da consoada é passada em casa de Manuela e de Magnus, os pequenos Félix, de cinco anos, e Finn, de dois anos e meio, têm à mesa batata doce e castanhas assadas na lareira (“que adoram”) e um assado de abóbora hokkaido (biológica, claro está), cenoura, batata doce, maçã e alecrim. Os legumes vão ao forno com miolo de broa de milho, que lhes dá consistência e “aquele aspecto tostadinho”: “É importante que o prato seja colorido e variado para os meninos”, diz a mãe. A verdade é que, na noite em que o SOL acompanhou a refeição da família – uma espécie de 'pré-consoada' – Félix e Finn não se fizeram rogados.
Na noite de Natal, as crianças também comem “um pouco de bacalhau”, do verdadeiro, que o pai de Manuela costuma trazer. “Tentamos não fechar completamente nenhuma porta, não ser radicais”, explica.
Depois, não faltam os doces, idênticos aos tradicionais, mas feitos com leite de arroz e sempre sem ovos. Desta vez, há biscoitos de canela em forma de estrela, de coração ou de meia-lua. “É fácil encantá-los”, garante a bióloga.
Tofu em vez de bacalhau
O tofu com broa é o prato preferido da família da autora do livro 'Cozinha Vegetariana Para Quem Quer Poupar'. Nesta época, explica Gabriela Oliveira – vegetariana há 17 anos, por não se sentir bem “com toda a indústria de exploração dos animais” -, a sua principal preocupação é “confeccionar pratos saborosos e saudáveis”.
“Por ser leve de sabor e de cor branca”, Gabriela considera o tofu (uma espécie de queijo feito com leite de soja) o melhor substituto do bacalhau. O prato é confeccionado com alho francês e é terminado no forno para ficar com uma crosta crocante, semelhante ao tradicional bacalhau com broa.
As crianças têm direito a um menu especial: Gabriela cozinha para elas bifes de tofu grelhados com batatas-doces cortadas em palito, assadas no forno. “Parecem fritas, mas são mais saborosas e saudáveis”.
Quanto ao almoço de Natal, diz ainda Gabriela, mantém-se o típico assado. A receita consiste em colocar o rolo de seitan – alimento derivado do glúten, conhecido por 'carne vegetal' – numa travessa com batata-doce, castanhas, cenoura e courgette fatiada. E é a cozinheira quem o prepara: “É mais barato e com mais qualidade do que o que se compra nas lojas”, assevera. A acompanhar há salada vermelha, que leva vários legumes, maçã e beterraba, além de bolinhas de nozes para aperitivo, preparadas com nozes trituradas, salsa picada e sementes de papoila assadas no forno.
Em casa de Gabriela Oliveira as sobremesas já se tornaram “clássicos”. O bolo de chocolate é feito sem ovos e sem lacticínios: “É idêntico ao bolo que leva ovos, mas mais leve e húmido porque leva bebida vegetal”. O ovo, por sua vez, pode ser substituído por sementes de linhaça moídas: “Mói-se uma colher de sopa de sementes de linhaça para cada ovo, misturando-se com três de água morna. O resultado é um creme gomoso”.
O pudim de fruta é cozinhado a pensar nos três filhos, vegetarianos desde que nasceram. É confeccionado com fruta cozida e, para dar consistência, em vez da gelatina proveniente da proteína animal usa o ágar-ágar, “uma alga branca com efeito coagulante”: “É muito saudável, refrescante e é uma forma de comerem fruta sem se aperceberem”, diz a mãe.
Rabanadas com leite vegetal
Pelo Natal, na casa de Laura Sanches, que é oriunda do Norte, sempre houve um prato à parte vegetariano, para o seu marido e para o filho de três anos.
Foi a intolerância à lactose da criança que motivou o casal a tornar-se vegano, excluindo da sua dieta os ovos e lacticínios. Desde que nasceu, o menino “nunca comeu carne, nem peixe”. Ao contrário do que se possa pensar, “é saudável e tem imensa energia”, garante a mãe, confidenciando: “Em três anos, esteve apenas um dia com febre”.
E no Natal o prato preferido dos três elementos veganos da família é tofu com legumes assados, “acompanhado da típica couve e das batatas”. Nas sobremesas, as rabanadas e a mousse de chocolate continuam a ser os doces preferidos de todos. “Cozinhamos rabanadas veganas, que não levam ovo, mas sim qualquer leite vegetal”, explica Laura, revelando que “os ovos para a mousse de cacau são também facilmente substituídos com uma base de abacate, a que se adiciona cacau, um pouco de leite vegetal, raspa e sumo de laranja e tâmaras, para adoçar”.
Nem sequer falta o bolo-rei: habitualmente, encomendam um, vegano, em lojas especializadas. “Como não leva açúcar, é o ideal para o meu sogro, diabético”. Os restantes elementos da família, que não são vegetarianos, comem sempre o prato de bacalhau, mas “dispensam a carne”, conta ainda Laura.
Seitan recheado com ameixas
Maria Aragão, autora do livro 'Omeletas Sem Ovos', pioneiro na recriação dos sabores e receitas tradicionais portuguesas para confecções 100% vegetarianas, garante que o seu Natal “é igual ao das outras pessoas”: “Apenas não confecciono animais. Como aletria, bolo-rei, rabanadas, pudim e arroz de tofu à antiga”, explica.
Tendo começado a transição para o veganismo aos 40 anos, Maria admite que sentiu “necessidade de manter os sabores” dos pratos tradicionais portugueses. E garante que, “conservando-se os temperos característicos, como o azeite, alho, salsa, o vinho branco e os cominhos, especialmente importantes para a roupa-velha, consegue-se a memória dos sabores da nossa gastronomia”.
Assim, tanto Maria como a sua família continuam a consumir os típicos pastéis de bacalhau, mas sem o ingrediente principal: “O alho francês e o tofu são excelentes substitutos do bacalhau”, garante. O mesmo acontece com o prato de peixe e legumes cozidos: “Cozo as batatas, cenouras e couves da mesma forma e acrescento grão-de-bico”. Em substituição do peru, Maria prefere um assado de seitan. “Muitas vezes, faço-o recheado com ameixas e castanhas”.
Variedade à mesa
Maria Anderson, de 26 anos, deixou de comer carne, peixe e todos os seus derivados, há cerca de um ano, por “não concordar com a indústria que envolve a exploração animal”, mas também “por uma questão de saúde”.
Na verdade, conta esta jovem de Lisboa, sente-se “muito melhor” desde que se decidiu por uma alimentação vegana. “Diagnosticaram-me gastrite crónica e o médico disse-me para eliminar a comida que sentia fazer-me mal”. Maria começou então a evitar comida processada, carne e peixe, mas também gorduras e até proteínas. “Tento escutar o meu corpo”, refere. A verdade é que nunca mais teve problemas de estômago. E estas melhorias acabaram por influenciar as escolhas da mãe e do irmão: “Eles não são completamente vegetarianos, mas preferem este tipo de comida”.
Por isso, o Natal não é complicado: há sempre alternativa ao peru – que este ano foi mesmo excluído da ementa – e ao bacalhau. “Não há qualquer regra”, explica Maria, “tentamos variar, há muitas receitas na internet”. No ano passado, por conta de “um primo vegetariano há muitos anos”, houve caril de batata-doce e espinafres. “Este ano”, anuncia a jovem, “o jantar é rolo de feijão azuki”. Todos acabam por provar.