Colarinho branco e mãos sujas

    

As estruturas judiciais de Itália abanaram durante a década de 90 por terem sido alvo de campanhas de descrédito no decorrer de investigações de grande envergadura, denominadas ‘Mãos Limpas’.

Milão, 17 de Fevereiro de 1992. Três carabinieri apanham um destacado dirigente do Partido Socialista Italiano (PSI) com um envelope de sete milhões de liras, acabado de lhe ser entregue pelo proprietário da empresa de limpeza que ali trabalhava, a título de comissões. Uma quantia que não passava de migalhas de um enorme bolo, que rondava os 140 milhões de liras.

Preso o dirigente, naturalmente que começou a ‘cantar’, fazendo com que Bettino Craxi (na foto), secretário-geral do PSI e antigo primeiro-ministro, saísse sem perder tempo a terreiro a negar envolvimentos do seu partido. Poucos meses depois, seria a vez de Craxi ser apanhado e condenado a 27 anos de cadeia, mas voou para a Tunísia, onde viria a gozar da sua fortuna até falecer. Foragido à Justiça, isso não impediu que o seu amigo Mário  Soares, numa viagem presidencial àquele país, paga com o dinheiro dos contribuintes, o visitasse. Há poucos dias, em Évora, Soares não resistiu a repetir-se.

Com o decorrer do tempo, foi-se minorando a corrupção em Itália. Graças a homens e mulheres que não dormem, a Itália de hoje encontra-se melhor.

Em Portugal, parece que estamos a viver o mesmo ciclo sinistro. E, se a investigação continuar com o rigor a que estamos a assistir, poderemos um dia vir a ter um país mais limpo.

Independentemente da qualidade dos investigadores e dos magistrados, a recolha da prova é sempre demorada e dispendiosa, por causa dos elementos multidisciplinares que envolve.

É difícil investigar partidos políticos, bancos, deputados, gestores públicos, enfim todos quantos são susceptíveis de obter lucros com a corrupção e a fraude fiscal, disfarçando, posteriormente, a origem criminosa dos seus proventos, introduzindo-os novamente na economia, colocando desse modo em risco o fluxo normal do sistema financeiro. Além disso, ao cometerem tais crimes, obstam à livre concorrência, criam bandos dominantes do facilitismo e tornam mais efectiva a corrupção de agentes e funcionários da Administração Pública pela impunidade de que gozam.

Para termos uma sociedade mais equilibrada, precisamos de uma Justiça mais ágil, o que não deve impedir que se salvaguarde a pessoa do jus puniendi do Estado. A dignidade tem de ser preservada em detrimento de uma pretensa segurança e da busca da verdade material. Sempre defendi um processo penal garantístico que proíba a obtenção de provas ilícitas e a aplicação de penas excessivas e não ressocializantes.

Fazem falta, no nosso processo penal, dois instrumentos fundamentais: o estatuto do arrependido e os acordos-sentença. O estatuto do arrependido consiste na atribuição de um prémio de pena pela confissão e colaboração com a investigação judicial, permitindo por conseguinte desvendar teias criminosas.

Os acordos-sentença consistem numa suspensão do processo para o agente do crime, através de um acordo quanto à pena a aplicar e ao montante da indemnização para ressarcir os lesados.

O acordo preveria sempre uma confissão parcial ou total dos factos descritos no despacho de acusação, uma pena, suspensão da execução da prisão ou não, dependendo da gravidade dos factos praticados, e ainda a perda dos direitos ou vantagens obtidas por via da prática dos factos ilícitos, ou o pagamento ao Estado de uma compensação. O juiz aferiria da validade da confissão dos factos e competir-lhe-ia homologar o acordo-sentença. Caso as negociações se iniciassem e saíssem frustradas, o processo seguiria para julgamento.

É este o caminho que a Procuradoria-Geral da República terá de seguir se quiser ganhar o combate contra os criminosos de colarinho branco e mãos sujas.