2. Dos representantes dos partidos políticos, ouvimos o que já todos esperávamos: desde as tiradas bombásticas do Bloco de Esquerda, aos clássicos de Natal e Ano Novo do PCP, até às palavras de circunstância do PSD e CDS, passando pelo voluntarismo crítico inconsequente de Ferro Rodrigues. Já poucos portugueses têm pachorra para aguentar ouvir as sucessivas intervenções dos representantes dos partidos. E dizemo-lo não porque queremos vestir a pele de “perigosos populistas” ou “demagogos lunáticos”: dizemo-lo porque é uma evidência. Os representantes dos partidos – ou os comentadores em comissão de serviço das máquinas partidárias a que pertencem – acrescentam pouco (pouco? o termo adequado seria nada, mas ainda estamos imbuídos do espírito natalício…) aos debates e às discussões que deveriam servir para esclarecer os cidadãos portugueses.
3. Dito isto, a mensagem do Presidente Cavaco Silva foi uma mensagem coerente, típica de fim de mandato e favorável objectivamente a António Costa e Rui Rio.
4. Foi uma mensagem coerente. Coerente com as prioridades e as linhas de acção (e inacção) da presidência de Cavaco Silva. De facto, Cavaco Silva, no plano discursivo, há muito (desde o seu primeiro mandato) tem reforçado a ideia de que é necessário promover a cooperação e o diálogo entre os partidos políticos, valorizar o interesse comum em detrimento dos interesses privados de alguns. A política deve estar centrada no bem geral e nos meios para o alcançar – e não nas questiúnculas partidárias. No fundo, é mais uma sequela, um remake do filme “ Cavaco Silva: o anti-político”. Portanto, nenhuma novidade. Tanto espanto de Ferro Rodrigues, Jorge Coelho e outros socialistas, para quê? Porquê?
5. Foi, ainda, uma mensagem típica de fim de mandato. Por duas razões: i) Cavaco aproveitou o seu activo mais precioso (único?) deste segundo mandato – a estabilidade política – e tentou capitalizar politicamente; ii) relevou a circunstância de Portugal, no arranque do último ano da sua presidência, se ter livrado da ajuda externa e de um programa de resgate duro, conquanto imprescindível para a manutenção de Portugal como Nação independente. É evidente que Cavaco Silva teria de enaltecer o fim do programa de resgate financeiro: primeiro, porque tal absorveu totalmente a política portuguesa nos últimos quatro anos – não houve nenhum desígnio para além da troika e do programa financeiro; segundo, porque um Presidente que cessa funções tem de terminar o seu mandato dizendo que criou as condições para os portugueses poderem ambicionar um futuro melhor. Para os portugueses assumirem o futuro com esperança – e já sem medo. Todos os Presidentes da República – quem fosse Cavaco Silva, Jorge Sampaio ou Mário Soares – fariam o mesmo. Discurso que coincide com o discurso do Governo, por acaso. E que há um acaso que ninguém mencionou mas que explica a colagem ou parecenças entre a mensagem de Passos Coelho e a mensagem de Cavaco Silva: é que ambos estão em fim de mandato. E como estão em fim de mandato, ambos têm de defender o trabalho que fizeram. Ora, como Cavaco Silva é um Presidente de perfil baixo ou parlamentarista (modelo defendido, por exemplo, por Pedro Santana Lopes), que limita drasticamente os poderes do Presidente da República, deixando rédea quase solta ao Governo. É, pois, natural que os êxitos de Passos Coelho sejam os êxitos de Cavaco Silva; e os fracassos de Passos Coelho são os fracassos de Cavaco Silva.
6. Enfim, foi uma mensagem objectivamente favorável a António Costa e Rui Rio. Apesar de, devido ao acaso que referimos no ponto anterior, a mensagem de Cavaco ser muito parecida com a de Passos Coelho, a verdade é que o Presidente da República não quis subjectivamente ajudar Passos Coelho e o seu Governo. E objectivamente Cavaco até ajuda Costa e Rio, ao salientar o imperativo de um acordo entre os dois partidos., mesmo antes das eleições. Ora, esta ideia bate certo com a ideia, que António Costa lançou no Natal, de que um Governo de Bloco Central pode funcionar muito bem – mas que o PSD teria de mudar de líder. E Rui Rio elogia publicamente António Costa – e Costa elogia publicamente Rui Rio. Estes já andam em namoro – com muita vontade de contrair casamento entre si.
7. Concluindo, o discurso de Cavaco Silva é um discurso à Cavaco: previsível, a puxar pelo seu contributo político como Presidente da República e que os políticos podem interpretar de acordo com as suas conveniências e interesses. No essencial, a mensagem correu bem a Cavaco – melhor do que nos últimos dois anos.