Mercado para fintar o destino

Há um ano perdi Matic e o Benfica foi campeão”. Foi assim que Jorge Jesus abordou a saída de Enzo Pérez ainda antes de ser confirmada, na segunda-feira, a ida do argentino para o Valência, a troco de 25 milhões de euros. 

Mercado para fintar o destino

O técnico tenta relativizar a perda de um dos jogadores que mais utilizou nas últimas épocas lembrando que o fenómeno não é novo para os lados da Luz. E desta vez o cenário até é mais animador. Quando perderam Matic, as ‘águias’ lideravam o campeonato com dois pontos de avanço sobre o Sporting e três sobre o FC Porto. E estavam em quatro competições, onde fariam mais 17 jogos – nove na Liga Europa, e quatro em cada uma das taças portuguesas – além das restantes 15 jornadas da Liga. 

Desta feita, o Benfica lidera com seis pontos de avanço para o FC Porto e sete para o Sporting, no terceiro posto. E, além das 19 jornadas que faltam para completar a época, já só está inserido na Taça da Liga, onde, contando com o jogo realizado na terça-feira (vitória por 1-0 na recepção ao Nacional), fará um máximo de cinco jogos se chegar à final.

Jesus lembra também que o clube “não está habituado a ir ao mercado em Janeiro”, uma época de transferência que diz interessar apenas a quem pode gastar “20, 30 ou 40 milhões num jogador já feito”. Os clubes portugueses têm a tarefa de “descobrir jogadores que poucos conhecem”, um trabalho que o técnico conjuga preferencialmente com o período da pré-época, de forma a poder ajudá-los na adaptação às especificidades do seu futebol. “Para ir buscar jogadores já feitos e conhecidos é preciso money”, sentencia o treinador benfiquista.

Novos-ricos e desesperados

Excluindo o Barcelona – que esta semana viu o Tribunal Arbitral de Desporto confirmar o castigo da FIFA que impede os catalães de participarem nas próximas duas janelas de transferências – as (poucas) transferências confirmadas na Europa antes da abertura do mercado parecem dar razão a Jorge Jesus. São dos mais fortes campeonatos europeus os clubes que já começaram a ajustar os plantéis à medida das suas necessidades. Sejam novos-ricos a pretender aproximar-se de rivais gigantes – o Valência já deixou 70 milhões nos cofres do Benfica desde que foi adquirido pelo tailandês Peter Lim –, ou clubes de renome cuja actual situação em nada reflecte os objectivos traçados no início da época. 

É o caso do Borussia de Dortmund, o vice-campeão alemão que neste momento é ‘vice-lanterna vermelha’ da Bundesliga. Com apenas quatro vitórias em 17 jornadas, a equipa de Jürgen Klopp tem sentido a falta de algumas figuras do clube, como Marco Reus, que fez apenas sete partidas e três golos até ao momento. A primeira aposta do técnico germânico foi o esloveno Kevin Kampl, tendo pago 12 milhões ao Red Bull de Salzburgo pela estrela de 24 anos.

Liverpool (10.º em Inglaterra) e os rivais de Milão (AC Milan em 7.º e Inter na 11.ª posição na Liga Italiana) são outros exemplos de clubes históricos em dificuldades, que, através da declaração de interesses ou da concretização de negócios, já se mostraram activos no mercado. O Inter garantiu Lukas Podolski por empréstimo ao Arsenal e o Milan recebeu o atacante italiano Alessio Cerci num negócio que envolve a ida de Fernando Torres para o Atlético de Madrid.

O campeão espanhol garantiu o regresso de um jogador que marcou 91 golos nas sete épocas que realizou ao serviço do clube até 2007. “Tento reencontrar a felicidade e não há nenhum sítio melhor do que o Atlético”, disse o homem que será apresentado no domingo no Calderón.

Mas depois de duas épocas com apenas 12 golos marcados, Torres terá de apelar ao regresso da veia goleadora para se revelar o joker que o Atlético de Madrid necessita para recuperar os pontos de atraso e repetir o feito de vencer o título espanhol. 

Invernos que valeram títulos

Uma receita que foi usada pelo FC Porto há quatro anos. A 29 de Janeiro de 2011, os ‘dragões’ sofreram a única derrota na Liga das duas épocas em que foram comandados por Vítor Pereira. 

O desaire em Barcelos (3-1) deixou os então campeões a cinco pontos do líder Benfica. No dia seguinte, Lucho González aterra no Porto, três anos após ter saído para Marselha. Fosse pelo golpe psicológico incutido na equipa – a chegada de um jogador com vários títulos somados no clube foi acompanhada pela inclusão de outro histórico, Paulinho Santos, na equipa técnica – ou pela qualidade que o argentino acrescentou em campo, a aposta resultou.

Nas 13 jornadas que faltavam para o fim da Liga, o FC Porto somou 11 vitórias e dois empates. Na penúltima ronda, com o célebre golo de Kelvin aos 92 minutos, ultrapassou o Benfica, sagrando-se bicampeão na última jornada.

Onze anos antes, Portugal assistira a uma história idêntica, quando o Sporting se reforçou em Janeiro com um trio de jogadores que viria a revelar-se determinante para o fim de 18 anos de jejum de títulos em Alvalade. Mbo Mpenza deixou a sua marca com três golos logo em Janeiro, os defesas César Prates e André Cruz somaram sete entre si, incluindo um golo do central ao FC Porto que levou o Sporting a tirar o rival da liderança a oito jornadas do fim.

nuno.e.lima@sol.pt