Marco Silva já foi despedido (de facto) por Bruno de Carvalho

1. Analisaremos hoje o conflito – agora aparentemente em fase de “tréguas de Cristo” – entre Bruno de Carvalho e Marco Silva. Note-se que não nos interessa os detalhes meramente futebolísticos da querela, nem tão pouco nos orientará qualquer motivação (muito menos paixão) clubística. A nossa análise pretende ser isenta, imparcial e objectiva: não poderão,…

2. Ora, o conflito Marco-Bruno é muito interessante para compreender que as organizações sociais são estruturadas frequentemente de forma a replicar o modelo de governação de uma comunidade política estadual ou local – logo, os seus agentes intervêm segundo juízos de natureza política. As pessoas tendem a criticar a política e os políticos pelos seus vícios, pelas suas tácticas e estratégias: esquecem-se, no entanto, que os braços de ferro, as inimizades e as susceptibilidades pessoais que matam projectos não são exclusivas da actividade política. Ocorre em todas as organizações sociais: sendo tão mais graves (ou, pelo menos, salientes), quanto maiores forem essas organizações. Bruno de Carvalho é, neste sentido, um político nato. E o mais engraçado é que o jovem treinador Marco Silva não o é menos.

3. Qualquer sportinguista que tenha a frieza de adormecer por breves segundos a paixão clubística e analise a situação actual do clube apenas usando a sua razão crítica, concluirá, sem dificuldades, que o Sporting está hoje mais fraco do que estava há duas ou três semanas. Culpa de quem? Não há dúvidas: de Bruno de Carvalho.

4. Será que Bruno de Carvalho tem sido um mau Presidente? Não: revelou, em alguns momentos importantes para a afirmação do Sporting, determinação, coragem e visão estratégica. Assim foi, por exemplo, na tomada de uma posição firme e sem medo contra o sistema pouco transparente em que se tornou a UEFA, na sequência da arbitragem escandalosa do jogo contra o Schalke 04. Assim foi, embora com excessos, quando colocou em causa o sistema em que assenta o mercado de transferências do futebol, dominado pelos novos poderes de facto, que são os fundos. 

5. Não obstante, parece que Bruno de Carvalho se deslumbrou com o poder – e pretende replicar um modelo totalitário, de concentração de poderes baseado no modelo edificado por Pinto da Costa no Futebol Clube do Porto. No fundo, a regra que parece vigorar em Alvalade por estes dias é a de que “ tudo no e pelo Bruno, nada contra o Bruno”. Quem perde? Infelizmente, o Sporting.

6. É que Bruno de Carvalho, para já, não tem peso para ser um Pinto da Costa 2: Pinto da Costa, para além da personagem do futebol, extravasou para os domínios da política nacional e local. Pinto da Costa quis assumir-se como líder regional – atacando governos nacionais (sobre matérias que nada tinham que ver com o futebol) e liderando a oposição a Rui Rio. E não deixa de ser curioso que o Presidente da Câmara Municipal do Porto actual, que sucedeu a Rio, seja um admirador confesso de Pinto da Costa.

7. Bruno de Carvalho não tem a bandeira do regionalismo para abanar, nem se move nos meandros político-partidários. É um homem apenas ligado ao desporto, que age sempre por impulso – e muito raramente com a cabeça. Daí a errância da sua presidência – não há uma linha coerente, uma noção de continuidade na liderança actual do Sporting.

8. Leonardo Jardim era muito bom – passou a muito mau quando questionou o plano estratégico de Bruno de Carvalho. Marco Silva era o melhor treinador do mundo – mostrou-se legitimamente desagrado com o puxão de orelhas público à equipa do Presidente, passou a ser o pior treinador do mundo, um profissional sem ética que só defende interesses pessoais ocultos.

9. Pois bem, nesta guerra, só pode haver um vencedor: Bruno de Carvalho ou Marco Silva. Os dois não poderão coexistir por muito tempo. A vitória deste fim-de-semana do Sporting apenas adia o problema: não o resolve. É que Bruno de Carvalho utilizou o seu estratega, José Eduardo, para liquidar Marco Silva (isto faz lembrar as estratégias de liquidação de rivais políticos usadas por Mário Soares, Cavaco Silva ou José Sócrates) – agora, está numa encruzilhada: ou deixa cair um ou deixa cair o outro.

10. Se deixar cair Marco Siva, fica mal perante os adeptos e prejudicará seriamente o Sporting; se deixar cair José Eduardo, Bruno de Carvalho ficará em muitos maus lençóis, porque José Eduardo contará o que verdadeiramente se passou, podendo gerar um clima de permanente suspeição em Alvalade. Ao dar apoio a José Eduardo, Bruno de Carvalho humilhou (o próprio Rogério Alves, por outras palavras, o admitiu) Marco Silva – e despediu-o de facto. Marco Silva só formalmente continua como treinador do Sporting.

11. Os adeptos sportinguistas e Marco Silva não mereciam isto. Que o Sporting se volte a encontrar novamente para ganhar a Liga Europa este ano.

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