Na última década, foram mortas 400 mulheres, 42 em 2014. O que continua a falhar?
Temos muitas medidas para prevenir e combater a violência doméstica e se não fossem elas provavelmente teríamos muito mais mortes. Refiro-me a duas medidas inovadoras, de 2009, para apoiar o afastamento do agressor: o recurso à teleassistência, um 'botão de pânico' para a vítima, e a vigilância electrónica para agressores. Ainda assim, não nos podemos satisfazer com a quebra da evolução, porque desde que haja uma mulher morta é sinal de que a nossa democracia não está suficientemente aprofundada.
E realmente não tem chegado para afastar os agressores.
O afastamento do agressor é das medidas mais necessárias e urgentes para diminuir o homicídio e a mais difícil de aplicar. É isso que pretendemos com estes projectos [votados hoje]: a possibilidade de o agressor poder ser afastado de casa, salvaguardando os princípios da proporcionalidade e presunção de inocência, e as regulações provisórias da pensão de alimentos devida a menores e das responsabilidades parentais. O processo de ruptura é sempre muito doloroso e num quadro de agressão ainda mais, porque enquanto a vítima vai vacilando entre sair e ficar, está a ser coagida, o que a incapacita de uma tomada de decisão imediata.
A direita chumbou os projectos do PS. Qual o passo seguinte?
Esta área está na agenda e não é este chumbo que nos vai intimidar de lutar pelos direitos das vítimas. Vamos ver agora qual a melhor estratégia para ultrapassar esta questão.
Mas este não é um problema que precisa de uma resposta consensual?
PSD e CDS, ao recusarem, com a sua maioria, esta disponibilidade do PS recusam toda a cooperação política e legislativa numa matéria da maior gravidade e urgência. É lamentável que inviabilizem a proposta do PS e recusem o apelo de cooperação. As críticas da direita, que incluíam mais medidas de polícia, não excluíam a proposta do PS. Também defendo, em circunstâncias muito específicas, que a medida de coacção máxima deverá ser aplicada para se prevenirem os homicídios conjugais.
Prisão preventiva?
Claro. Se estiver avaliada a continuação da actividade delituosa. O afastamento é sempre uma medida menos grave e, se resolver a situação, tanto melhor.
Costa tem feito bandeira da violência doméstica. Que mais projectos se esperam do PS?
Para o PS, esta área sempre foi prioritária. Há imensa coisa a fazer na prevenção. Queríamos assegurar a continuidade de um projecto inovador, de 2008, dirigido à violência no namoro, no sentido da modificação de mentalidades desde tenras idades. E a introdução nos currículos escolares das áreas da cidadania – que foram afastadas do ensino básico e secundário nesta governação – são centrais para se aprender a respeitar o valor da dignidade humana.
A moldura penal é adequada?
Considero-a adequada. Estou a falar por mim, não foi alvo de discussão com o grupo parlamentar. O aumento das penas não resolve os problemas. Tem uma função de censurabilidade social, mas temos que considerar o combate com a prevenção.
O que se vê é que as penas são muitas vezes suspensas. Porquê?
Isso já tem a ver com os tribunais. Há um abuso muito grande da pena suspensa. É imperioso uma mudança ao nível da cultura judicial. Tem-se vindo a fazer progressivamente, mas é um trabalho que não está concluído. Terá que se reforçar a formação e sensibilização dos magistrados para a importância deste crime, que no passado foi desvalorizado e tolerado.
Há uma grande tolerância dos magistrados e da sociedade em geral?
Muito grande. E que também se entende, as coisas não se alteram de um dia para o outro. A estratégia de intervenção é relativamente recente. Somos herdeiros de uma cultura onde se tolerava este tipo de comportamento (o célebre ditado 'entre marido e mulher ninguém mete a colher' não está completamente derrubado). A lei evoluiu mais depressa do que a mentalidade.
Segundo dados da PSP, em 80% das mortes não houve queixa prévia. Como combater o medo?
O medo é das coisas mais paralisantes da acção de qualquer pessoa. A melhor maneira é enfrentá-lo, pedir apoio a pessoas que fazem parte da rede de sociabilidade. Mas hoje as vítimas já estão num processo de perda de vergonha, já fazem queixa. Nas cerca de 29 mil queixas, a maioria é feita pelas vítimas. Mas o reforço da consciência social não se faz de um dia para o outro e a prevenção é crucial.
O Governo está a fazer um bom trabalho?
Este Governo está a gerir os dossiês. Manteve os planos e assegurou a prioridade desta área. Não está a inovar, mas está a gerir os projectos que existiam, nomeadamente reforçou os apoios a associações não governamentais e, portanto, parece-nos sempre bem tudo o que possa ser feito nesse sentido.
O caso de Manuel Maria Carrilho e Bárbara Guimarães pode levar a que mais pessoas tenham coragem de fazer queixa?
As situações mediáticas, e não é preciso que sejam vítima ou agressor, aumentam sempre a sensibilidade social relativamente a estas matérias.