“É uma figura que existiu em 1640. É o mito de um homem que foi músico, cientista, soldado, escritor. É esse humanismo e essa força que esta peça tem. É quase um anarca, no bom sentido da palavra. É subversivo, nunca compactua com a mediocridade, tem uma alma muito grande e o dom da palavra – que é uma coisa que se está a perder hoje em dia”, explica João Mota, que encena a última peça enquanto director artístico do teatro.
Há só um problema em Cyrano (Diogo Infante), que ama uma prima toda altiva em beleza (Sara Carinhas) que caiu de amores por um belo colega de Cyrano: o já referido nariz, imortalizado no cinema por Gérard Depardieu. “A mãe nunca gostou dele. Nenhuma mulher gostou dele. Mas a beleza exterior não é mais importante do que a beleza interior, porque a prima apaixona-se pela figura de Cristiano mas é alimentada pelos versos e cartas que afinal são escritos por Cyrano. É ele quem empresta a alma, como Fausto”.
Numa altura de transição em que Tiago Rodrigues se prepara para assumir o cargo, juntam-se no palco do D. Maria II os dois anteriores directores artísticos. “Foi o Diogo Infante quem me convidou para encenar, era a peça que ele ia fazer antes de sair. Acaba por ser interessante porque acontece também na altura em que eu saio, e eu nem sabia que ia sair agora. Tem este lado maravilhoso do tempo”.
Tem também esse lado de ser uma peça de paixões, não só no enredo. Era uma vontade antiga de Diogo Infante, o protagonista. Uma peça que João Mota já queria encenar há muito tempo mas para a qual não tinha recursos na Comuna. E o tradutor, Nuno Júdice, não lhe resistiu: “O Diogo tinha-lhe pedido a tradução, ele disse que ia pensar durante as férias e quando voltou ligou-lhe a dizer 'não consegui parar, está aqui'“.
Em palco tudo é feito de transparências, do cenário aos figurinos. “A transparência é aquilo que Cyrano é e vivemos numa época em que a transparência não existe”.