Panda Bear Meets The Grim Reaper' é um título sugestivo. Pensou matar o seu alter ego?
Não pensei nisso, mas se alguma vez quisesse abandonar o nome Panda Bear esta seria a melhor oportunidade. Mas não vai acontecer. O título pretende reflectir o espírito pesado, negro e intenso das canções, mas de forma divertida. Ter o 'Grim Reaper' (Ceifeiro da Morte) a conhecer o Panda Bear pareceu-me uma forma cómica de falar de coisas que não são facilmente digeridas.
Que coisas?
Desta vez era importante focar-me em coisas maiores do que eu. Normalmente uso o meu lado introspectivo para escrever o que quero contar. Quase como um diário, na esperança de que quem o leia se identifique com o que lá está. Ser introspectivo é bom, mas há um momento em que se transforma em narcisismo e isso não é saudável. Então mudei de perspectiva. Em vez de escrever de um ponto de vista pessoal, construí canções partindo do exterior, focando-me em algo mais global.
O resultado foram temas pesados?
Explorei assuntos sérios. 'Tropic of Cancer', por exemplo, é sobre o cancro. Quando o meu pai adoeceu, a maneira que arranjou para me contar foi com graçolas. Achei aquilo muito estranho. Menciono essa conversa no início da canção, mas apesar de partir de um lugar bastante pessoal, gradualmente estou a falar sobre doença com D maiúsculo e a reconhecer que é legítimo uma doença tentar propagar-se e sobreviver como o faz qualquer ser vivo. E isso é universal.
Foi a primeira vez que lidou com a morte de tão perto?
Sim. É nesse contexto que o Grim Reaper aparece. Receber a notícia de que o nosso pai tem cancro é um daqueles momentos na vida em que algo em ti muda e és forçado a reajustar a tua identidade. Pode ser a morte de um familiar, a mudança para uma nova localização, uma separação amorosa intensa… São coisas que nos obrigam a mudar e, quem éramos antes, deixa de existir para dar lugar a algo novo. A morte aqui está representada desta forma.
A nível sonoro o álbum tem imensas nuances, como se tivesse três partes: uma meio caótica, outra melancólica, outra minimal…
É isso mesmo, queria ter três partes demarcadas. Sempre que algo me forçou a reajustar, no início, foi o caos, depois houve uma zona de limbo bastante dolorosa, quase como um enterro, e, por fim, a nova identidade começou a construir-se. Assim, a primeira parte do disco é muito caótica, a segunda é um deserto emocional e os temas finais são a nova identidade a aparecer. São ritmos mais enérgicos reflectindo essa ideia de que alguma coisa está a crescer.
Outro aspecto sonoro é o de este ser o disco onde usa mais samples, como a harpa de 'O Quebra-Nozes', de Tchaikovsky, em 'Tropic of Cancer'.
Foi quase como brincar aos legos. Antes fazia coisas básicas como repetições, mas desta vez construí as secções todas, como pegar num som esquisito e juntá-lo a uma percussão, ou unir o assobio do vento a outro som padronizado. Fui mais cirúrgico neste disco.
É assim que se vê: um cirurgião a trabalhar ritmos e palavras?
Algumas pessoas são melhores com palavras, outras com os instrumentos. O facto de ter começado como baterista influencia a minha abordagens às canções, que nascem sempre pela parte rítmica. As palavras e a parte vocal só aparecem no fim, mas tento equilibrar as duas secções. Primeiro descubro todos os elementos da canção e, gradualmente, uno-os peça a peça. É muito importante que as palavras tenham o ritmo que serve a canção. No início do disco, como é muito caótico, preocupei-me em ter os ritmos vocais altos e directos para que as canções se tornassem imediatas e, de certa forma, leves.
Deve ser muito organizado.
Sim, foi algo que aprendi com o Pete Kemper (produtor). Antes dispersava-me muito e com ele aprendi a ser disciplinado e a catalogar tudo, ao ponto de o meu cérebro conseguir compartimentar todos os elementos de uma canção. Mas são coisas complexas e requerem muita audição, por isso achei importante as canções terem pormenores na superfície imediatos e, assim, captar a atenção das pessoas para que elas tenham vontade de as ouvir dez, 20 vezes e, aos poucos, assimilarem de forma mais profunda as outras porcarias que estão lá dentro.
Parece-me uma boa metáfora do mundo actual.
Acredito que sim. Quando olho para os meus filhos e vejo a quantidade de coisas que conseguem processar ao mesmo tempo é alucinante. Encher a música de inúmeros pequenos detalhes pode assemelhar-se ao vasto amontoado de estímulos que temos hoje.
Deu o seu nome a uma canção. 'Mr. Noah' é um espelho de si?
Quis fazer uma autocaricatura. Uma vez, em Cascais, estava a falar com uma conselheira espiritual e ela disse-me que via na minha personalidade a representação de três animais: um lobo, um urso e uma águia. Achei curioso e durante um tempo não consegui enquadrar partes do meu carácter nesses animais. Quanto mais pensei no assunto mais percebi as ligações, mas também que são as coisas que menos gosto em mim que relaciono a esses animais.
Como o quê?
Sou preguiçoso como o urso e teimoso como a águia. Também não gosto que me 'mordam na perna' e isso tem a ver com o lobo. Tenho um irmão mais velho e cresci a perder sempre em tudo. Então desenvolvi uma estranha psicose com a competição. Cheguei a um ponto em que não posso ver os jogos do Benfica em casa porque passo o tempo todo a gritar com a TV e fico mesmo alterado.
Depois de 'Benfica', agora tem uma canção intitulada 'Príncipe Real'. Porque gosta tanto de invocar Lisboa na sua música?
Também fiz isso com Baltimore, onde cresci. Mencionar as cidades onde vivo é quase como deixar migalhas de pão na floresta para alguém descobrir o meu percurso. Mas vivo ali perto, gosto do bairro, gosto muito do jardim. E achei que era um nome do caraças para uma canção.