Em nenhum dos casos estava presente um único guarda prisional. “Onde não há um guarda, há um preso”, avisa Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), sublinhando que o clima de tensão que reina em algumas prisões – como são os casos de Pinheiro da Cruz, Linhó e Coimbra (para onde são transferidos reclusos problemáticos) – não é alheio ao défice de guardas. “O espaço que devia ser da responsabilidade do guarda está a ser gerido pelo recluso a seu bel-prazer”.
Antes do caso do Linhó, o último homicídio em cadeias portuguesas acontecera em 2011, no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL). Na última década, segundo dados da Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), seis reclusos foram assassinados: um em 2005, na cadeia de Pinheiro da Cruz, três no ano seguinte (um em Pinheiro da Cruz e dois no Linhó), outro em 2011, no EPL, e já este ano, no Linhó.
Todas as vítimas eram do sexo masculino e de nacionalidade portuguesa, à excepção de um (francês, com origens em Portugal). Os crimes aconteceram durante o dia e “resultaram de incidentes isolados entre reclusos”, explica fonte da DGRSP, sublinhando que foram “actos de violência imprevisíveis que surgiram de forma súbita e duraram escasso tempo” – o que tornou “a sua prevenção ou interrupção particularmente difícil”.
A verdade é que, no passado dia 4, quando o angolano de 27 anos foi esfaqueado no Linhó – por causa de uma disputa por um telemóvel –, nenhum guarda estava a vigiar o local, onde se concentravam mais de 100 reclusos: o único elemento de escala fora deslocado para acompanhar as visitas no parlatório. “O mesmo guarda está escalado, em média, para ocupar seis postos diferentes por dia. Tudo por causa do tremendo défice de pessoal: são quatro mil guardas para mais de 14 mil reclusos. Só no ano passado, reformaram-se 28 e nenhum foi substituído”, diz Jorge Alves, lembrando que a presença de um único elemento pode fazer a diferença. “Geralmente não há confusões quando há guardas por perto. É certo que um não faz milagres quando à volta estão 100 reclusos, mas é dissuasor e pode pedir reforços”.
Ferros e lâminas de barbear transformados em facas
Já no dia 2 deste mês, na cadeia de Coimbra, num corredor que liga uma ala ao pátio (conhecido como ‘o corredor da morte’, onde costumam ocorrer ajustes de contas entre reclusos), um recluso foi esfaqueado no abdómen por outro, e este teve de ser assistido no hospital (ambos foram castigados com 10 e 18 dias de cela disciplinar).
Neste caso, a arma utilizada foi uma faca artesanal feita pelo próprio recluso, tal como sucede na maioria dos incidentes fatais. “Desmontam e afiam as lâminas de barbear, partem e afiam os ferros laterais das camas para improvisar facas e até as pegas de marmitas e canecas de inox”, conta Jorge Alves.
Todos os autores dos homicídios foram até hoje julgados. Mas a DGRSP, que tem o dever de zelar pela segurança e integridade dos reclusos, nunca foi accionada civilmente.