Marine Le-Pen e a Frente Nacional – secundados por outras organizações de extrema-direita dispersos por vários países da Europa – aproveitaram a tragédia para reforçar o seu discurso populista, lançando um anátema sobre todos os imigrantes – especialmente provenientes de países islâmicos – ; dirigindo farpas aos políticos qualificados como “fracos e subservientes face aos interesses estrangeiros”, sem coragem para aplicar medidas duras a criminosos tão violentos e sofisticados; propondo medidas para aumentar a repressão criminal, cortando a lógica actual dos sistemas de justiça penal europeus assentes na prevenção e menos (muito menos) na repressão, leia-se, no castigo dos delitos criminais. Marine Le Pen veio, de imediato, exigir a aprovação da pena de morte para punir os responsáveis pelos crimes – o que significaria o retrocesso da Europa ao período pré-iluminismo. E seria o princípio do fim da democracia e do Estado de Direito na Europa: nem se diga, em sentido contrário, que alguns estados dos EUA prevêem a pena de morte. São realidades histórico-culturais completamente diferentes, insusceptíveis de qualquer comparação.
Para já, os atentados terroristas produziram um efeito político claro em França: a bipolarização política entre o Partido Socialista de Hollande – e a Frente Nacional de Le Pen. A direita moderada francesa, representada pelo UMP (partido do ex-Presidente Nicolas Sarkozy), desapareceu do mapa – o que pode ter implicações muito negativas nesse país e, consequentemente, na União Europeia.
Em segundo lugar, refira-se que as reacções aos ataques terroristas revelam, ainda, a mediania dos líderes políticos europeus. Em que medida? Pela carência absoluta de gravitas, de criatividade sensata, de capacidade para responder à altura dos acontecimentos. Aconteça o que acontecer, independentemente da dimensão e consequências dos factos, o discurso político dos líderes europeus é sempre o mesmo. É um discurso standardizado, pré-fabricado, cheio de banalidades, ideias feitas. Discurso que, ao invés de incutir esperança e confiança, apenas adensa o sentimento de nervosismo e insegurança dos cidadãos. Enfim, um discurso que não pretende dizer o que é melhor, de convencer os cidadãos acerca das medidas mais favoráveis para o bem estar comum – mas que pretende apenas reproduzir aquele que se entende ser o sentimento comum dos cidadãos, leia-se, dos eleitores. Há muito lirismo –mas pouca acção e pouquíssimo trabalho na política europeia.
E qual foi a grande ideia avançada pelos iluminados políticos europeus? Aprovar ,para vigorar dentro do espaço europeu , uma lei de restrição de alguns direitos fundamentais dos cidadãos – como o direito à privacidade – inspirada no Patriot Act do Presidente George W. Bush.
Devemos confessar que esta é uma ideia que merece o nosso acolhimento em abstracto: reservamos o nosso juízo definitivo, obviamente, para o momento da aprovação e divulgação das medidas em concreto, até para aferir a sua proporcionalidade e conformidade com o Estado de Direito e o Estado de Direitos Fundamentais.
Não obstante, não podemos deixar de assinalar dois aspectos muito curiosos:
A esquerda e (alguma) direita europeia, sempre muito conivente com a esquerda dos interesses, hostilizaram brutalmente o Presidente George W. Bush. Apelidaram-no de diabo, de homem ridículo – uma jornalista portuguesa que escreve há anos num semanário chamou-o mesmo de “personificação do homem sem qualidades”, equiparando-o a Hitler. Agora, os líderes europeus, ameaçados com a ameaça terrorista (ou seja, a mesma ameaça que George W. Bush teve de enfrentar) recorrem…a…quem?…George W. Bush e à sua lei anti-terrorismo! As voltas que a vida dá! George W. Bush – o novo herói da esquerda europeia e, muito particularmente, da esquerda francesa!
A esquerda europeia – e muita direita, por exemplo, o normalmente arguto deputado Carlos Coelho foi na onda – converteram as novelas de Edward Snowden e dos Assanges desta vida em sagas heróicas. É a velha tradição dos políticos e dos jornalistas, europeus e portugueses, da geração soixant-huitard de transformar os anti-heróis em heróis. Só que Snowden e Assange – o pai da telenovela wikileaks – apenas violaram leis que servem para proteger os direitos fundamentais dos cidadãos contra as novas ameaças difusas e perigosíssimas personificadas pelo Estado islâmico, pela Al-Quaeda e suas células. Há excessos na aplicação das leis? Há abusos de poder por parte dos serviços de informação? Então que se corrijam, internamente e com sensatez, o funcionamento dos serviços. Mas não podemos dar mais trunfos aos terroristas, e aos criminosos em geral, para que possam afectar as nossas vidas e a nossa liberdade. Só há liberdade com segurança – e a segurança é o principal fim da comunidade politicamente organizada – ou seja, do Estado.
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