A eurodeputada do BE teme um reforço da política securitária da Europa como resposta aos ataques em França e critica a venda de armas a terroristas. Garante que Alexis Tsipras não verga perante os mercados e diz que BE tem de avaliar se é útil.
A Europa foi apanhada de surpresa no ataque ao Charlie Hebdo e os que se seguiram em França?
Não houve nenhuma surpresa relativamente a estes ataques. Já tinha havido tentativas anteriores e os serviços de informação e de segurança franceses já tinham identificado as pessoas que acabaram por cometer esta barbárie.
Estes ataques deixam a nu que fragilidades na Europa?
Mostra sobretudo fragilidades políticas. E o que se está agora a fazer é uma ligação absolutamente inaceitável entre terrorismo e imigração, quando sabemos que os cidadãos que cometeram estes ataques nasceram em França, são franceses. Uma coisa é o terrorismo e outra coisa é a imigração.
Os ministros da Administração Interna da Europa vão estar hoje reunidos de emergência. Qual a pior decisão que pode sair desta reunião?
O pior que pode sair é um reforço da política securitária e da perseguição aos imigrantes. Estes ataques não seriam evitados nem com alterações ao Acordo de Schengen, nem com o registo de passageiros, nem com alterações à Lei da Nacionalidade.
Que resposta se impõe à Europa?
Se a Europa quer ser consequente não pode financiar ou vender armas a grupos terroristas. Alguns países, entre os quais a França, alimentaram grupos na Síria que se opuseram ao regime de Bachar al-Assad, quando se sabia que tinham ligações a Al-Qaeda. A política de cooperação europeia não se pode resumir a acordos comerciais e a intervenções em conflitos, sem uma acção concertada de luta contra o terrorismo. Todos os dias há ataques desta natureza, nos quais morrem pessoas, e o combate ao terrorismo não nos pode interessar só agora, quando morreram cidadãos europeus.
A Alemanha já admitiu que aceitaria discutir a renegociação da dívida grega. É mérito de Alexis Tsipras, líder do Syriza, ou Angela Merkel percebeu os sinais da Grécia?
Qualquer mérito que possa existir é do povo grego. É óbvio que a proposta do Syriza é muito importante num contexto de chantagens e de ameaças vindas de fora que são inaceitáveis. Mas o Syriza não está mais moderado do que em 2012: o programa é o mesmo. A sociedade é que mudou porque as consequências da austeridade destruíram totalmente a Grécia.
Há quem registe que Tsipras moderou o discurso nas reuniões com as instituições europeias e com o FMI para acalmar os mercados.
O discurso do Syriza é intransigente em relação aos mercados: quem manda na democracia é o povo, não são os mercados.
Acredita mesmo que a Grécia se mantém no euro se Tsipras vencer?
Não há ninguém que possa decidir sobre a saída ou a permanência da Grécia no euro que não seja o povo grego. Não está escrito em lado nenhum como é que se sai do euro nem que alguns países possam expulsar seja que país for.
A renegociação da dívida grega sem a saída do euro e sem uma revisão do Tratado Orçamental (TO) não deixa a esquerda sem discurso?
Espero que haja uma mudança política significativa na Grécia com consequências muito directas para a Europa e que se perceba o absurdo que é o TO, que não é possível cumprir. Mas não tenho dúvidas que vai ser difícil. Já se ouvem vozes a dizer que se o Syriza ganhar será a vacina para ninguém mais acreditar na esquerda. As instituições europeias e as forças que têm dominado a Europa vão fazer a vida muito difícil. Vai ser uma chantagem permanente que só pode ser combatida com um forte apoio popular e com uma união da esquerda europeia.
O que pode e deve o BE aprender com o Syriza?
O BE, tal como qualquer partido, tem que olhar para si próprio, avaliar o seu caminho e perceber que opções tem para oferecer aos cidadãos. Os partidos são úteis se forem úteis às pessoas e às suas necessidades.
Mas uma vitória do Syriza não vai obrigar o BE a rever o seu posicionamento em matéria de alianças com o PS, por exemplo?
Quer o Syrisa quer o BE entendem que as alianças fazem-se não de forma aritmética mas com base em programas políticos. O que precisamos é de uma grande frente contra a austeridade. A esse respeito, o PS não clarificou rigorosamente nada. Ainda não se demarcou de forma alguma das políticas de austeridade. Mas eu não faço futurologia. Repito: qualquer entendimento deve ter uma base programática e política.
As forças de esquerda não crescem em Portugal, contrariamente ao que acontece em Espanha e na Grécia. Como se explica isso?
O Syriza cresceu com o alargamento do espaço da esquerda, depois de o PASOK ficar associado à austeridade. Em Espanha, o Podemos é um partido novo, visto como uma real alternativa ao sistema e não como parte dele. No caso do BE, penso que não conseguimos fazer esta ruptura. O BE ainda não conseguiu criar a imagem de uma verdadeira alternativa ao sistema. É visto como parte dele. Além disso, o espaço político da esquerda em Portugal está cada vez mais fragmentado e nem sempre a soma das partes se converte num espaço mais alargado. Toda a esquerda, incluindo o BE, deve reflectir sobre a forma como um espaço que deveria estar a alargar-se parece não estar.