O ‘buraco’ do TGV

No meio do ruído mediático provocado por vários temas de forte impacto junto da opinião pública – quer no plano interno, quer no internacional -, as graves conclusões do Tribunal de Contas (TdC) sobre o TGV arriscam-se a passar quase despercebidas. 

E, no entanto, foram gastos 153 milhões de euros sem o projecto sair do papel, enquanto circulam nos tribunais pedidos de indemnização ao Estado num valor próximo de 200 milhões de euros pelo facto do actual Governo ter posto um ponto final à aventura da alta velocidade .

A auditoria do TdC veio confirmar aquilo que o próprio Tribunal já intuira quando, em 2010, se preparava para chumbar o contrato de adjudicação do troço do TGV entre o Poceirão e Caia. 

Eram notórias as dúvidas de fundo dos juízes quanto à salvaguarda do interesse público. Mesmo assim, o contrato seria assinado durante o Governo de José Sócrates, mandando a prudência às malvas.

Conclui agora o TdC – na linha das suas reticências iniciais -, que os estudos preliminares já demonstravam que o investimento seria insustentável, porque caberia sempre ao Estado assumir os défices de exploração. 

O enquadramento do projecto seguia, de perto, as ruinosas parcerias público-privadas das auto-estradas, com estimativas de tráfego inflacionadas nos estudos, fazendo recair os défices de exploração no bolso dos contribuintes.

A história do TGV remonta ao Governo de António Guterres, passou pelo de Durão Barroso, e foi desaguar no de Sócrates, que acelerou a locomotiva, indiferente à previsão de que as carruagens andariam semi-vazias.
O mesmo aconteceu com o Aeroporto (fantasma) de Beja, ainda hoje sem destino, excepto o de continuar a ser um peso no erário público. O fascínio dos novos aeroportos passou, aliás, pela Ota e por Alcochete, onde se repetiram os gastos exorbitantes em estudos. 

Só na Ota, a Naer (entidade formada para gerir a futura infraestrutura) dispunha, em 2007, de um orçamento de 14 milhões de euros. Segundo a imprensa da época, até ao final de 2006 o investimento em estudos ascendera a quase 22,8 milhões de euros. 
Por saber, ficou o montante das compensações prometidas por Sócrates para a região do Oeste, quando optou por Alcochete. 
Em contrapartida, quem não perdeu foi o mercado de estudos e de pareceres, com bastas razões de euforia, em proveito de não poucos escritórios e de ateliês.

Sem nunca ter chegado aos carris, o projecto do TGV – alimentado com zelo e megalomania -, é outro exemplo flagrante de má despesa pública. 
A auditoria do TdC ao projecto reconhece que foi «iniciado sem ser possível aferir o custo-benefício para Portugal e o Estado não comprovou, perante o Tribunal, a comportabilidade dos encargos que decorriam do único contrato PPP assinado e ao qual foi recusado o visto prévio».
A posição arrasadora dos juízes conselheiros deveria deixar os antigos responsáveis pela pasta das Obras Públicas – Mário Lino, António Mendonça e Paulo Campos -, de cabelos em pé. Suspeita-se, contudo, que não lhes pese o incómodo. Como não lhes custou (e a José Sócrates) o desaire escandaloso do Aeroporto de Beja. 

OTA, Alcochete, Beja ou o TGV servem apenas para exemplificar irresponsabilidades concretas, por onde se escoaram avultados dinheiros do Estado em pura perda. Poderiam acrescentar-se várias auto-estradas quase desertas, construídas a benefício de empreiteiros, de bancos e de outros parceiros indiferenciados. 
António Costa, antes de visitar Évora, deveria ter meditado em tudo isto. Aparentemente, esqueceu-se. 
Resposta a Arons de Carvalho
A carta (tardia) de Alberto Arons de Carvalho, publicada no último número deste jornal, comete o pecado da omissão, decerto por má memória da sua passagem pela Secretaria de Estado da Comunicação Social. 
Reitero o que escrevi na coluna de 12 de Dezembro, com base em experiência pessoal – e vivida. De facto, ainda integrava a Administração da RTP, à época do primeiro Governo socialista de António Guterres. 
Fui chamado à Gomes Teixeira, juntamente com os demais colegas, para uma reunião com Jorge Coelho, então ministro da tutela, para nos ser comunicado, textualmente, que nada havia contra a Administração em funções, excepto o «não ser da confiança política do Governo» recém-empossado. Portanto, seríamos substituídos.
Estávamos a menos de metade do segundo mandato. O presidente, António Freitas Cruz, afastara-se, por decisão própria – ainda ao tempo do Governo PSD -, por discordar das orientações da tutela, representada por Marques Mendes, fazendo questão em não ser acompanhado no seu gesto pelos restantes membros do CA, pedido que foi respeitado .
Arons de Carvalho sabe bem que foi assim. Escamoteia e procura iludir a consciência. Pelos vistos, também tem uma relação difícil com a verdade. É pena.