Esta é uma das finalidades da presença cada vez mais significativa de movimentos islamistas radicais nas redes sociais: a radicalização de jovens muçulmanos. Através de imagens chocantes, textos interpretativos do Corão e apelos às armas, grupos como o Estado Islâmico e a al-Qaeda deixaram de necessitar de formar células terroristas no Ocidente, passando a confiar na geração espontânea de lobos solitários suficientemente motivados para aderir a uma jihad 'do it yourself'. As primeiras informações sobre as investigações aos ataques da semana passada em França não indicam que a radicalização dos irmãos Kouachi e de Amedy Coulibaly tenha ocorrido através das redes sociais. Mas um elo liga o percurso destes extremistas gauleses à ofensiva mediática dos salafistas – Anwar al-Awlaki.
Clérigo radical nascido nos EUA e morto em 2011, no Iémen, num ataque de drone, Al-Awlaki foi o principal rosto do braço iemenita da rede fundada por Osama bin Laden, a al-Qaeda na Península Árabe (AQAP, na sigla árabe), organização que terá treinado, armado e financiado os radicais parisienses. Foi também considerado o mais eficaz propagandista e recrutador do terrorismo islâmico do seu tempo. Naturalmente fluente em inglês, os seus sermões contavam com uma numerosa audiência no YouTube. Lançou também o primeiro órgão de língua inglesa da al-Qaeda, a revista online Inspire.
Al-Awlaki foi o rosto da adaptação da máquina de propaganda à recente evolução tecnológica, que substituiu os velhos sites de comunicação unidireccional por uma plataforma de uso gratuito, tecnicamente estável, fácil de utilizar e universalmente acessível, sobretudo com o advento dos smartphones – as redes sociais.
Com estas, qualquer indivíduo torna-se simultaneamente alvo e emissor de propaganda extremista. As hierarquias diluem-se e colocam-se questões a um combatente mais experiente. Os círculos de conversação formam-se espontaneamente, a maior parte das vezes sob anonimato – garantido pelo recurso a pseudónimos, endereços de email 'descartáveis' e software como o Tor – dificultando a monitorização pelas autoridades.
Mas mais do que a al-Qaeda, o Estado Islâmico é neste momento a organização terrorista que melhor trabalha na web. Através de uma constelação de órgãos oficiais, militantes e simpatizantes, tem uma forte presença no Twitter, no YouTube, no Instagram e no Tumblr. Só no Twitter, este exército virtual chegou a publicar 40.000 mensagens por dia.
Há sofisticação na utilização que o EI faz das redes sociais. Tal como uma agência de marketing trabalha as suas marcas, este movimento radical recorre a hashtags (etiquetas agregadoras) e memes (imagens humorísticas). Os vídeos e as fotografias publicados revelam edição profissional. Para lá da propaganda, a guerra também se trava na rede, com os radicais a perpetrarem ataques informáticos. O último teve como alvo o Comando Central (CENTCOM) das forças armadas norte-americanas. Na terça-feira, e durante cerca de meia-hora, as contas desta estrutura no Twitter e no Facebook foram tomadas por um grupo de hackers afecto ao EI. Durante este período, foi difundida propaganda islamista e ameaças contra os militares dos EUA.
“Sabemos tudo sobre vocês, as vossas mulheres e as vossas crianças”, declararam os autores do ataque, que divulgaram excertos de uma lista de moradas e contactos de oficiais das forças armadas. Segundo o Pentágono, não se trata de documentação oficial, mas “a dimensão do incidente está a ser examinada”.
A contra-ofensiva está em curso. Além de iniciativas voluntaristas como a do colectivo hacker Anonymous (que declarou uma guerra online contra o Estado Islâmico), os EUA e a União Europeia têm trabalhado com gigantes como a Google para a eliminação e denúncia imediata de conteúdos extremistas. De resto, e se antes era fácil encontrar vídeos de decapitações no YouTube e grupos salafistas no Facebook, agora estes conteúdos são quase que exclusivamente acessíveis através de serviços anónimos como o Pastebin ou o Vidme (ou nas profundezas recónditas da Deep Web).
É a privacidade que corre agora o risco de ser uma vítima colateral da luta antiterrorista. No Reino Unido, o primeiro-ministro David Cameron anunciou na terça-feira que defende a proibição de serviços de comunicação que não possam ser escutados ou lidos pelas forças de segurança. Na linha de fogo estão sistemas de troca de mensagens por smartphone como os populares WhatsApp, iMessage e Snapchat, e ferramentas de encriptação de ficheiros. Cameron admite que a medida é “muito intrusiva” mas considera-a “absolutamente correcta”.
Os opositores da proposta notam que jornalistas e as suas fontes, testemunhas de crimes ou opositores de regimes ditatoriais vão perder a possibilidade de comunicar sob anonimato. Para Londres, esse é o preço a pagar pela segurança: uma internet cada vez mais vigiada. O debate promete atravessar fronteiras.