A primeira é sempre superficial…

‘A primeira vez é sempre especial’ é das frases feitas mais usadas sempre que estamos perante uma novidade, um início de qualquer coisa ou uma variante diferente daquilo a que estamos acostumados.

Considero no entanto que a nossa primeira experiência é sempre tratada com a ligeireza a que a inexperiência nos obriga. O receio, os sentidos pouco ou nada apurados para a questão específica ou o facto de não estarmos preparados para o inesperado torna-nos menos capazes de corresponder às exigências de um qualquer acontecimento. Ou seja: raramente estamos à altura e quase, mas quase sempre acabamos por reter esse dia 'para mais tarde recordar ' – mas não pelos melhores motivos.

Por exemplo, tanta gente que hoje em dia adora sushi mas que a primeira vez que tentou detestou. Já para não falar da cerveja, que como diria uma amiga minha, citando o que Fernando Pessoa disse acerca da Coca-Cola, 'primeiro estranha-se e depois entranha-se'. Na noite, na restauração e no entretenimento é muito assim. Gosto de olhar para os mais novos e a excitação que empregam na primeira saída nocturna raramente corresponde depois às expectativas criadas. Dificilmente quando provamos qualquer coisa pela primeira vez conseguimos retirar dela o máximo que tem para nos oferecer, nem poderia ser de outra maneira.

Obviamente que em situações mais genéricas, como viagens, a primeira vez que temos contacto com um novo local é e será sempre mais surpreendente e por isso mais impactante, mas em tudo o resto não consigo vislumbrar de que forma é que a primeira vez possa ser a melhor. E a melhor é aquela em que retiramos mais prazer, em que a degustação da acção se torna mais profunda, mais intensa, mais profícua. É isso que acho também nas relações humanas – seja no simples conhecimento entre pessoas ou em relações mais fisicas – quanto mais nos conhecemos, quanto mais vamos sabendo lidar uns com os outros, mais especial se pode tornar.

A própria noite tem os seus especialistas e as suas especificidades. É preciso saber degustá-la ,saber compreendê-la, 'jogar' sobre determinadas regras e assumir certo tipo de desafios. Eu próprio só depois de algumas saídas fui aprendendo a divertir-me, a lidar com determinadas situações e a ver outras que normalmente nos passam à frente do nariz e que nem damos conta. Também aqui a primeira bebedeira, a primeira miúda de quem nos aproximamos numa discoteca ou a primeira vez mesmo que tentámos entrar (e fomos barrados!) tem pouco de especial. E nem sequer percebemos por vezes as razões. A primeira vez que me lembro de ter ido à porta da Kapital não entrei. À porta do BBC (e atenção que ia acompanhado por duas amigas bem giras) foi-me dito que o espaço era um restaurante e por isso só podia entrar se fosse para comer, de outra forma teria de me retirar.

Às vezes nem nós percebemos o que a experiência nos traz mas sem dúvida que o mais importante é a forma como lidamos com as situações de risco. E é fantástica a forma como tornamos atraentes e memoráveis situações que da primeira vez teriam tudo para ser superficiais…!