Portugal conquista oliventinos

São já 167 os oliventinos que pediram a nacionalidade portuguesa no último ano, segundo dados do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) avançados ao SOL.

Portugal conquista oliventinos

Só em 2014, especifica este organismo do Ministério da Justiça, ingressaram na base de dados do registo civil nacional 80 cidadãos nascidos em Olivença. E  outros 87 estão a aguardar resposta aos seus pedidos. Caso obtenham resposta positiva, terão, como os outros 80, dupla nacionalidade – a portuguesa e a espanhola, com que se identificaram quando fizeram o pedido. Aos olhos da Lei da Nacionalidade, explica fonte oficial do Ministério da Justiça, serão tidos, simplesmente, como portugueses. 

João Manuel Vázquez Ferrera,   como o próprio se apresenta, é um dos cidadãos espanhóis que aguardam resposta: “Como oliventino, filho e neto de oliventinos, decidi pedir o reconhecimento da minha identidade, neste caso a dupla nacionalidade, há mais de dois anos”, explica ao SOL num Português quase perfeito, justificando o reconhecimento que procura: “Por meio da minha árvore genealógica, soube que o apelido Ferrera era antigamente Ferreira”.

Ouviu falar do processo de naturalização “por acaso”, há dois anos, numas jornadas organizadas em Olivença pela associação cultural que se dedica precisamente a cultivar a biculturalidade única da famosa cidade, a Além Guadiana, e decidiu tentar.

'Posso ser espanhol e português'

Foi durante um evento dedicado à cultura portuguesa que a Além Guadiana anunciou publicamente o seu projecto de ajudar os cidadãos de Olivença, anexada por Espanha ao seu território em 1801 – e ainda hoje objecto de litígio entre aquele país e Portugal – que o pretendessem a conseguir obter a nacionalidade portuguesa.

“Uma das actividades mais importantes da nossa associação cultural tem sido o acompanhamento do processo de aquisição da nacionalidade portuguesa para os oliventinos que o desejarem”, diz ao SOL um dos fundadores da Além Guadiana, Eduardo Machado. “Cremos firmemente que o facto de alguns oliventinos terem tomado esta determinação foi o que na nossa associação chamamos 'chuva miudinha', o encontro com o nosso passado. É um processo de sentimento e simbolismo”, considera. E é por esse 'encontro com o passado' que João Ferrera avançou com o processo. “Porque posso ser espanhol e português, e esta é uma homenagem e uma manifestação de respeito pelos meus antepassados”, enumera, concluindo: “Este vai ser o legado para os meus filhos”.

Motivos similares levaram Ana Márquez, mãe de um bebé de três meses, a solicitar o reconhecimento da sua 'portugalidade'. Foi, garante, “uma questão de saudade do passado e o amor ao país vizinho” que a moveram. “Sinto-me parte de Portugal”, explica a oliventina, contando que, quando estudou Português, descobriu que tinha uma “facilidade especial, uma espécie de magia para aprender a língua portuguesa”: “É por isso que eu sinto que a minha alma é portuguesa. A nacionalidade confirma o meu sentimento de ser além das fronteiras. Sinto saudade do meu passado, paixão pelas origens”, continua, entusiasmada, asseverando que agora sente que tem a sua “verdadeira identidade”. 

Tal como João, Ana apresentou à Além Guadiana e às autoridades portuguesas um certificado a demonstrar que toda a sua família é oliventina – “pais, avós, bisavós… pode-se dizer que tenho oito apelidos portugueses, agora já espanholizados obviamente (Marques é Márquez, Mendes é Méndez e Gudiño é Godinho…)”. Agora, acrescenta, é “portuguesa em Portugal e espanhola em Espanha”: “Eu sou uma mistura dos dois países,  inesquecível e ao mesmo tempo inevitável”. Para esta professora de Inglês, habilitada também a dar aulas de Português, no ensino secundário, a obtenção da nacionalidade traz infinitas possibilidades: “Agora temos oportunidade de fazer muitos intercâmbios e actividades com escolas portuguesas”.
Todos estes oliventinos partilham destes sentimentos de Ana e João. E não esquecem que, há apenas cinco gerações, os seus antepassados eram “todos portugueses de facto e de Direito”, como sublinha João.

'Questão cultural e humana'

Para a Além Guadiana, criada há seis anos para valorizar essa herança cultural e patrimonial portuguesa, o elevado número de oliventinos que solicitaram a nacionalidade lusa mostra a  importância da sensibilização. “A Além Guadiana tem vindo a trabalhar há longo tempo com o Estado português e também com algumas instituições para avançar com este projecto. A cultura tem sido a melhor vacina para cicatrizar as feridas do passado e ao mesmo tempo o melhor remédio para não voltar a enfermar”, garante Eduardo Machado.
Para obter a nacionalidade portuguesa, os requerentes devem ter ascendência oliventina ou serem naturais destes território. “Esta é uma questão pessoal que nada tem a ver com questões políticas ou de outra índole”, sublinha ainda. 

Esta é também a opinião de José Ribeiro e Castro, que apoiou a Além Guadiana neste processo. “Há que ter o cuidado de separar as questões. Trata-se aqui de uma questão cultural e humana”, considera o deputado do CDS. “Há uma dupla pertença, uma ligação às raízes portuguesas em Olivença que deve ser reconhecida”, defende ainda Ribeiro e Castro, congratulando-se com o “espírito de biculturalidade” que sente sempre que visita a cidade que, desde 2010, recuperou os nomes das suas ruas também em Português.

Quanto ao seu envolvimento nos processos de pedido da nacionalidade portuguesa, o também jurista considera ser “uma tradução desse sentimento de pertença”. E conclui: “É sempre refrescante falar com pessoas que querem ser portuguesas”.

sonia.balasteiro@sol.pt