O regresso de um clássico

Foi a 22 de Outubro de 2013 que o ‘velho’ Gambamar fechou subitamente portas. Contava 37 anos (foi inaugurado em 1976) quando várias gerações de portuenses (e não só) viram desaparecer o restaurante de almoços e jantares de família. Deixavam saudades o comprido balcão em que tantas confissões terão sido feitas aos funcionários e as…

“Deixámos o nome, até por uma questão de respeito pela tradição e história. Mas, se não inovarmos, paramos no tempo. A carta era bastante antiga”, explica Manuela Azevedo, gestora do Grupo Requinte, cuja sede é em Famalicão e que congrega agora nove restaurantes, incluindo a marisqueira do vizinho Mercado do Bom Sucesso. O menu anterior era longo e incluía pratos do dia fixos durante toda a semana (por exemplo, ossobuco às terças, arroz de pato às quintas e rojões às sextas-feiras). A nova gerência quis simplificar conceitos, dar mais destaque aos frutos do mar e democratizar o acesso a um restaurante que era conhecido pela boa comida, mas também pelos preços a condizer. “Era um sítio caro, bom, carismático, bem frequentado. Se compararmos, quanto a mim o Gambrinus estava um patamar acima, mas no Porto era um local de referência”, esclarece o piloto Ni Amorim, que frequentou o Gambamar desde os 18 anos (hoje tem 52) e que pretende agora voltar para “comparar e matar saudades”, mesmo que já não vá encontrar a língua afiambrada com batata russa que era “única” na cidade.

Pormenores como os guardanapos de pano, mesmo ao balcão, e o serviço de carrinho na zona de mesas eram imagens de marca, assim como a presença de várias figuras públicas, nomeadamente das áreas da política e desporto. No primeiro campo, poucos foram os protagonistas a nível local que falharam o livro de honra; a nível nacional relembram-se passagens de Mário Soares ou Paulo Portas. Quanto ao desporto, e até porque o anterior proprietário era José Carlos Esteves, médico do FC Porto, muitas foram as figuras do clube que por ali passaram. “Para mim era o melhor snack-bar do Porto, mas o serviço piorou, acabando por fechar um dia sem qualquer aviso. Clientes de vulto, como Miguel Sousa Tavares e Marco António Costa, do PSD, e numerosas famílias do Porto eram assíduas, sobretudo ao domingo”, conta José Miguel Amorim, de 63 anos, e cliente desde os anos 1980. O portuense admite ser “conservador”, mas, na sua avaliação, “a patine estalou, já não é a mesma coisa”. O mesmo refere outra cliente habitual, Sandra Marques, de 37 anos: “Faltam-nos as velhas caras, o cumprimento do senhor Fernando com um sorriso reconhecedor assim que entrávamos e faltam, até, as luzes amarelas que tornavam o espaço mais acolhedor”.

Fazer a ponte com o passado

É este sentimento de alguma orfandade que a nova gerência pretende evitar, através da manutenção de algumas das marcas da casa. Por exemplo, ao sábado continua a haver tripas à moda do Porto e ao domingo cozido à portuguesa. Mas todos os dias há velhos clientes a entrar para ver o interior renovado e perguntar pelos antigos funcionários, como o senhor Pinto, que esteve ao balcão entre 1976 e 2013. Nenhum se manteve da antiga equipa, que trabalha numa cozinha renovada e adaptada a tempos em que é necessário fazer menos com mais. De acordo com Manuela Azevedo, o Gambamar chegou a ter 50 funcionários e teria 36 quando encerrou. Agora são apenas 12. “Fizemos um grande investimento, tanto monetário como pessoal, devido a toda esta história”, sublinha a gerente.

O tecto já não é de cortiça, nem a vitrina dos gelados está junto à porta. A nova imagem é mais moderna, há mais vidro e sobressaem as cores cor-de-laranja e branca do grupo Requinte. A disposição da sala manteve-se, mas o balcão (que seria o maior da cidade) foi encurtado, tendo agora 30 lugares. “Muita gente tem um choque grande, porque a decoração está totalmente diferente. Mas tínhamos de mudar, nomeadamente a nível de equipamento, porque o que cá estava não nos permitia trabalhar como queremos”, refere Manuela Azevedo. Será por isso um Gambamar menos elitista, com preços um pouco mais baixos e que pretende não só atrair antigos clientes mas também turistas, numa zona repleta de hotéis.

O serviço de snack-bar, disponível desde a abertura até ao encerramento, era emblemático, e os novos donos querem que assim permaneça: as francesinhas e os pregos (eleitos, em 2012, nesta revista, como os melhores do Porto) vão continuar a sair, assim como a sangria (anteriormente era de pressão, agora é feita à base de frutos vermelhos). Mantém-se ainda o parque para clientes de 50 lugares (um facto relevante numa zona de difícil estacionamento), que Sandra Marques descrevia como “um desfile de carros topo de gama”, de BMW e Mercedes a Porsche e Jaguar. O marisco (também disponível em take-away) será indiscutivelmente o ex-libris e há até uma invenção que pretende ser a marca da casa renovada: a sande de lavagante (a 15 euros), feita em pão de sementes de sésamo caseiro. Os cuidados espelhos de marisco (a 35 e 45 euros) são outro destaque, para que a fama do Gambamar – um dos locais onde Miguel Esteves Cardoso, numa crónica no Público, diz ter aprendido a comer camarão – perdure.