A fracassada jogada de póquer do primeiro-ministro Antonis Samaras – que tentou garantir em Dezembro a eleição pelo Parlamento do novo Presidente da Grécia, apenas prevista para Fevereiro – coincidiu com as negociações entre Atenas e a zona euro sobre uma extensão por mais dois meses do plano de resgate financeiro em vigor desde 2010 e que deveria terminar no final de 2014.
A próxima equipa governamental grega que vai prosseguir as negociações com os credores e os parceiros europeus poderá já não incluir Samaras, líder do partido conservador Nova Democracia (ND) e que dirige desde Junho de 2012 um Governo de coligação com o Partido Socialista Pan-Helénico (PASOK), do vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, Evangelos Venizelos.
Após quatro anos de duras medidas de austeridade impostas pela troika de credores internacionais em troca de dois resgates financeiros, num total de 240 mil milhões de euros, todas as sondagens apontam para a vitória do partido de esquerda Syriza, com origem em movimentos radicais e da sociedade civil e que assim confirmaria a posição de principal partido conquistada nas europeias de Maio.
O Syriza, liderado por Alexis Tsipras, mantém uma vantagem de cerca de quatro pontos percentuais em relação ao ND, num cenário que ameaça estilhaçar o velho sistema bipartidário e clientelista em vigor desde o regresso da democracia em 1974.
«É uma mudança aguardada há muito tempo pela população. É um passo essencial para recuperar a nossa dignidade colectiva, a nossa prosperidade colectiva, porque o que sucedeu na Grécia desde a aplicação do memorando e da política de austeridade foi uma verdadeira crise humana», diz Zoe Konstantopoulou, uma advogada de 38 anos e cabeça-de-lista do Syriza no escrutínio antecipado de Junho de 2012.
O partido tem responsabilizado as políticas neoliberais e de austeridade ditadas pelos credores pelo desemprego que atinge mais de 25% da população, quando mais de 20% dos 10,5 milhões de habitantes caíram no limiar da pobreza e quando os salários foram reduzidos entre 30% e 40% desde 2011.
«Acreditamos que nenhuma sociedade ou Estado europeus deveriam deixar a população sofrer desta forma novamente. Em qualquer Estado europeu, a situação económica nunca deve constituir um álibi para se aniquilar a democracia ou destruir uma sociedade», acrescenta.
Os argumentos de Zoe Konstantopoulou contrastam com o discurso oficial, que tem agitado o fantasma da saída do euro em caso de vitória da esquerda radical grega, definida como um passo no desconhecido quando a Grécia começa a revelar sinais de retoma económica.
«A Grécia registou o mais impressionante ajustamento fiscal da história em termos numéricos. Após esforços tremendos regressou ao crescimento em 2014 e nos últimos quatro meses desse ano teve o maior crescimento da Europa, mesmo superior ao da Alemanha», assinala Niki Kerameus, advogada de 34 anos, convidada pelo primeiro-ministro Antonis Samaras para integrar a lista nacional do ND às eleições de 25 de Janeiro.
«Estamos a ver resultados concretos e por isso é essencial manter este rumo, prosseguir este caminho, para alcançar a saída do programa de resgate, como fez Portugal», sublinha Kerameus.
O receio do desconhecido e de novas experiências governativas num país que tem conhecido grande instabilidade política, e até mesmo a 'ingerência' de responsáveis políticos europeus na batalha eleitoral, pode condicionar as escolhas do eleitorado grego, mas também é perceptível um grande desejo de mudança, de encerrar em definitivo um ciclo negativo e começar vida nova.
Campanha discreta
Atenas aparenta agora uma tranquilidade que contrasta com os períodos mais agitados da contestação social, marcados por frequentes manifestações, protestos, greves, ataques a símbolos do poder e cargas policiais.
A campanha está centrada nos tempos de antena emitidos pelas televisões e nas redes sociais, com importante função de mobilização. São raros os cartazes ou painéis com propaganda política e os principais partidos, à excepção dos tradicionais comícios de encerramento, optaram por erguer as suas tendas nas zonas mais movimentadas, mas com alguma discrição.
Dos 18 partidos e duas coligações que concorrem às legislativas de hoje poucos terão a possibilidade de ultrapassar a barreira obrigatória dos 3% de votos necessários para garantir representação parlamentar.
Maioria absoluta à vista
A chave para uma eventual maioria absoluta do Syriza – que não deve ser excluída devido ao peculiar sistema eleitoral grego – reside nas votações de três partidos que estão no limiar desses 3% dos votos.
Caso estas formações não atinjam o patamar obrigatório, a generalidade dos comentadores admite maioria absoluta se o partido de Tsipras garantir 37% dos votos e o primeiro lugar, porque também beneficiará de um 'bónus' suplementar de 50 deputados (em 300 lugares) que continua a ser atribuído ao partido mais votado. Um 'privilégio' que o partido anti-austeridade diz pretender eliminar.
Um dos partidos que se arrisca a não eleger deputados é o PASOK. Na radical recomposição do cenário político helénico, a formação que desde 1974 se afirmou, juntamente com o ND, como um tradicional partido do sistema, parece à beira da extinção.
Membro da Internacional Socialista e fundado por Andreas Papandreu, o PASOK ficou ainda mais debilitado quando George Papandreu, ex-primeiro-ministro e filho de Andreas, optou pela deserção ao anunciar no início deste ano um novo partido, o Movimento dos Socialistas Democráticos, também muito mal posicionado nas sondagens.
«Na Grécia a bipolarização artificial e míope é algo muito negativo não apenas para o PASOK e outros partidos, mas também para a atmosfera da nossa vida pública, porque a polarização é sempre contraproducente», afirma Evangelos Venizelos, agora um feroz crítico do 'bónus' de 50 deputados, um benefício que ajudou no passado o PASOK a obter maiorias absolutas.
Ao pronunciar-se sobre a cisão operada por Papandreu, o número dois do Governo de coligação torna-se evasivo. «Prefiro evitar qualquer comentário porque para nós a principal questão é discutir com a sociedade civil quais as questões e prioridades nacionais que são vitais e não sobre as prioridades ou convicções pessoais de alguém», comentou.
No espectro político grego, há ainda duas formações que devem manter-se no hemiciclo, o Aurora Dourada (AD), de extrema-direita, e o Partido Comunista (KKE), além do recente partido de centro-direita To Potami (O Rio).
Perseguido pela justiça desde finais de 2013 na sequência de uma série de incidentes violentos, com seis dos seus 16 deputados detidos, o extremista AD permanece no entanto um dado muito importante da equação política helénica.
«A primeira coisa que esperamos destas eleições é uma votação elevada, para que o nosso líder, Nikolaos Michaloliakos, e outros membros do Parlamento grego que estão detidos, sejam libertados», diz Labros Foudoulis, 53 anos, eurodeputado, um dos três eleitos pelo partido nas eleições europeias de Maio. «A minha mensagem é que o povo grego deixe de ter medo de dizer que acredita no Aurora Dourada. Está perto o dia em que a Grécia pertencerá aos gregos», acrescentou.
As temperaturas são baixas em Atenas nesta altura do ano, mas é neste clima político quente que os gregos voltam às urnas. E parecem dispostos a arriscar uma nova experiência e dar o poder a um partido que, mesmo que tenha suavizado o discurso, permanece determinado em «combater a oligarquia, a corrupção, o clientelismo e a austeridade».
*Exclusivo Lusa/SOL