1. Os eleitorados europeus escolhem os seus líderes e projectos políticos de acordo com a sua pauta de preferências e prioridades – conferem a legitimidade para governar àqueles que, na sua óptica, melhor personificam o interesse colectivo. Não cedem, pois, a pressões políticas exteriores ou a actos falhados de coacção de líderes de outros países europeus: os eleitorados, embora condicionados por uma multiplicidade de factores que pesam nas suas escolhas, ainda são livres. Ou, pelo menos, não abdicam de ter a última palavra na conformação da vida política do seu país. Uma lição para os líderes europeus, sobretudo para Angela Merkel. Para a chanceler alemã, seria uma fatalidade a existência em todos os países do euro de um governo próximo das suas políticas de austeridade. E bastava acenar o argumento do dilema entre liberdade política ou dinheiro para salários, entre a aplicação de uma agenda de disciplina orçamental e financeira com abdicação da política ou a insolvência do Estado para que as loucuras de desalinhamento político dos Estados fossem evitadas. Afinal, Tsipras mostrou que não é bem assim: há uma saturação no povo grego – com eco um pouco por toda a Europa – em relação ao discurso do” caminho único” de Merkel. Nem se diga como Paulo Rangel, na ‘Prova dos Nove’ da TVI24, que os gregos como que merecem o castigo que estão a receber, devido à incúria dos seus governos. A dívida pública grega consegue ser bastante superior à dívida portuguesa! Pois, só que os gregos não têm culpa da corrupção dos seus governantes – ninguém merece agora passar por situações dramáticas de fome e exclusão social, porque os seus governantes (aqueles que deveriam constituir exemplos de respeitabilidade, seriedade e confiança) os enganaram e delapidaram os seus recursos colectivos!
2. Quem é o responsável pela vitória de Tsipras? Samaras e o PND; e Angela Merkel. Samaras e o PND (e o PASOK), pois é inacreditável que, perante um país e um povo exangues, a sofrer, em manifesto colapso, estes partidos políticos decidam brincar às politiquices. Seria assim tão difícil escolher um Presidente da República (sim, porque este acto eleitoral resulta da impossibilidade de o Parlamento escolher um Presidente – o Presidente, na Grécia, é escolhido pelo Parlamento, e não votado directamente pelos cidadãos), evitando a turbulência de novas eleições antecipadas? Julgamos que não – e se os políticos gregos moderados fossem mais responsáveis, esta ascensão do Syriza seria evitada. Mas a principal responsável é Angela Merkel: por que razão esta não percebeu que a renegociação da dívida, uma perdão parcial e condições mais flexíveis para a Grécia é uma inevitabilidade histórica? Teria de acontecer mais tarde ou mais cedo. E vai ter de acontecer com Tsipras. E agora é duplamente penalizador para Merkel: primeiro, porque irá ter de inflectir a política que sempre defendeu acerrimamente; segundo, porque, em vez de ter a iniciativa política, é encostada à parede por Tsipras. Merkel irá fazer o inevitável, mas…obrigada! Altamente condicionada pela extrema-esquerda grega! Havia necessidade?
3. A vitória de Tsipras é também histórica porque representa a vitória de uma coligação inesperada de forças europeias. De facto, julgamos que é a primeira vez que o mesmo candidato é apoiado quer por políticos de extrema-esquerda – quer por políticos, e forças partidárias, de extrema-direita. Note-se que Tsipras teve o apoio, na elaboração do programa, de Francisco Louçã – e teve o apoio público de Marine Le-Pen. Esta percebeu muito bem (Marine é uma verdadeira raposa política!) que era essencial – tendo em vista a vitória eleitoral da Frente Nacional – que a Grécia fosse conquistada por uma formação política anti-austeridade, eurocéptico, que, enfim, falasse forte com Merkel. Portanto, tivemos do mesmo lado, Bloco de Esquerda e a extrema-direita fascizante da Frente Nacional! Irónico e não deixa de ter a sua piada. Portanto, a esquerda que não se alegre muito: Tsipras abriu a porta à extrema-esquerda – mas também à extrema-direita!
4. E consequências para Portugal? Honestamente, cremos que a vitória de Tsipras é irrelevante para Portugal. Mas sobre ponto cuidaremos em próximo texto.