“Sempre que [os guardas] apareciam, o meu coração desatava a bater de forma descontrolada, porque eles traziam sempre novas ideias de como transformar a minha vida num inferno, como darem-me pouquíssima comida, concederem-me apenas 30 a 60 segundos para a comer ou forçarem-me a comer cada pedacinho de comida num espaço de tempo muito curto. ‘É bom que tenhas terminado!’, gritavam. Ou então obrigavam-me a limpar o chuveiro desmesuradamente, ou a dobrar as minhas toalhas e o meu cobertor uma e outra e outra vez, até se darem por satisfeitos”, escreveu Mohamedou no seu diário da prisão. O documento foi desclassificado por um juiz após uma batalha de sete anos e publicado (ainda que com passagens censuradas), na passada semana nos EUA. Em Portugal vai ser editado pela Vogais.
Noutra passagem do seu diário, o prisioneiro relata: “A minha sanita tinha de estar sempre seca! Mas como, se eu urinava e puxava o autoclismo constantemente? Para poder cumprir esta ordem, tinha de usar o meu único uniforme para limpar a sanita, e vivia encharcado em m*****”.
Segundo o comunicado distribuído pela editora portuguesa, o livro “descreve, com um detalhe e uma proximidade inéditos até hoje, os processos de captura, brutalização e tortura perpetrados pelas autoridades dos EUA ao abrigo da chamada War on Terror”.
Mohamedou, que está desde 2002 (há mais de 12 anos) na controversa prisão sem ser acusado formalmente de qualquer crime, foi considerado suspeito por ter no seu círculo de relações vários terroristas, entre os quais um primo seu que era próximo de Bin Laden. Mas sobretudo por se ter juntado à Al-Qaeda no início da década de 90, para combater os russos no Afeganistão. “Na essência, os Estados Unidos também fizeram quase a mesma coisa”, aponta a sua advogada, Nancy Hollander. “Encorajámos as pessoas a irem combater os soviéticos”. E conclui: “Ele não é um terrorista. É um homem inocente que devia ir para casa”. Isto apesar de Mohamedou ter confessado os crimes que lhe imputaram – mas só sob tortura, alegam os seus defensores.
Quando foi eleito, em 2009, o Presidente dos EUA Barack Obama anunciou que uma das suas primeiras medidas seria mandar fechar a prisão de Guantánamo, e chegou a assinar uma ordem nesse sentido. Mas, seis anos depois, o encerramento das instalações continua a não passar de um promessa.