Dividir para convencer

Enquanto Alexis Tsipras se instalava na Mansão Maximos, em Atenas, os partidos  à esquerda do PS festejavam em Lisboa a vitória do Syriza. Pode esta vitória abrir caminho para o triunfo da esquerda em Portugal, quando essa esquerda não se entende? Nas respostas, pede-se cautela na transposição da realidade grega para Portugal. 

Dividir para convencer

Para Catarina Martins, “o contador político na Europa está a zero”. A porta-voz do BE nota que a vitória do Syriza abre uma “nova fronteira política”: “Já não se trata de saber quem é de esquerda e como se une a esquerda, mas definir com clareza quem quer  a renegociação da dívida e quem quer continuar submetido aos mercados”. 

Mas o guião que orienta os bloquistas para as eleições deste ano não será desviado da sua versão inicial: colar o PS à austeridade. “O Syriza sempre recusou acordos com os partidos que levaram a troika para a Grécia, nomeadamente com o Pasok”, confirma Mariana Mortágua. “O que se pode esperar para Portugal é que também possamos retirar o país desta armadilha permanente que é ter governos PS-PSD”, acrescenta.

A insistência para que o PS clarifique o seu posicionamento sobre a dívida pública irá, por isso, aumentar e será tanto maior quanto mais António Costa cavalgar a vitória da extrema-esquerda. “Ao menos Seguro dizia que queria uma austeridade mais light. António Costa nem isso”, atira um dirigente do BE ao SOL. 

Um dos partidos que aparece como possível aliado de um futuro governo socialista é o Livre. Rui Tavares rejeita o rótulo e frisa que o partido, fundado no ano passado, antes das eleições europeias, apareceu para criar uma “uma nova forma de governação, baseada numa maioria progressista – e isto inclui o PS, obviamente”. 

Em matéria de clarificação da esquerda sobre a dívida pública, o ex-eurodeputado do BE defende que “ter uma posição clara sobre o euro não é repetir dois ou três chavões durante anos” e deixa o alerta: “A crise da dívida e do euro está em constante mutação, o que implica soluções criativas que só poderão ser adoptadas depois de sufragados os programas eleitorais de cada partido”.

As sondagens, para já,  não auguram grande votação na esquerda. PCP, BE e Livre, juntos, poderão não ir além dos 15%, segundo a Eurosondagem deste mês para o Expresso. “Não acho que a esquerda portuguesa esteja fragmentada. Estamos a ter resultados e a dialogar”, garante Rui Tavares. 

'BE está isolado', diz Ana Drago 

A candidatura cidadã 'Tempo de Avançar', que junta Livre, Fórum Manifesto ou Renovação Comunista, reúne este sábado em Lisboa. Ana Drago, do Manifesto (corrente fundadora do BE que se desvinculou do partido), está confiante nos resultados das eleições, não obstante admitir que em Portugal há um aspecto que faz a diferença em relação à Grécia: “Não há o colapso do Pasok”. 

A ex-bloquista lembra que para as europeias do ano passado foi tentada uma frente que incluía BE, Livre e Manifesto 3D. O BE recusou. “O BE está isolado. O Syriza, além da convergência e do enraizamento, soube definir prioridades, como a questão da NATO, porque percebeu que não era central”, critica Drago. 

Também o PCP tem sido por estes dias um guardião da honra do Syriza. No Parlamento, António Filipe sinalizou a expectativa dos comunistas de que a vitória de Tsipras abra caminho para o fim da austeridade, sem referir com grande entusiasmo o resultado dos 'homólogos' do KKE.

Até às eleições, a esquerda radical não irá deixar de cavalgar o resultado da Grécia. BE e PCP falam, para já, a uma só voz em duas áreas: os ataques ao PS e o tabu sobre  alianças. 

Ana Drago, porém, lembra que “é preciso criar um mandato político, para uma negociação dura no quadro europeu, assente numa aliança”. Na Grécia, o Syriza cresceu com 12 partidos e ainda precisou de chamar os Gregos Independentes, do centro de direita, para ter maioria no Parlamento. 

ricardo.rego@sol.pt