Robô humano

Cada vez que Björk anuncia novo álbum, sabemos que não se tratará apenas de um conjunto de canções. Nos seus projectos há sempre um fortíssimo lado conceptual que pretende não só despertar-nos a audição, mas ser também uma experiência sensorial completa. Esta visão de que um disco tem de estimular mais do que um sentido…

Enquanto a crítica sempre aplaudiu esta veia criativa e experimental, a verdade é que, ultrapassada a espectacularidade em torno da concepção dos álbuns, a música não colhia a mesma aceitação junto do público que a venerou por 'Jóga', 'Army of Me' ou 'It's Oh So Quiet'. A demanda digital de Björk também a foi tornando mais robótica, metalizada e fria.

É com surpresa, por isso, que constatamos o forte lado emocional de ‘Vulnicura’, o seu mais recente álbum, inicialmente previsto para Março (quando inaugura uma retrospectiva em torno do seu percurso no MoMa de Nova Iorque), mas que teve agora lançamento antecipado no iTunes depois de ter ficado disponível em sites de partilha ilegal.

Vulnicura não é, entenda-se, um regresso ao formato canção pop clássico. Não temos agora uma cantautora de guitarra ao peito, a debitar aflições sentimentais. Apesar de se expor, a islandesa nunca se apresentaria tão despida. Em 'björkês', retomar a intimidade das canções continua a significar usar a tecnologia a seu favor, excluindo a utilização de qualquer instrumento acústico. Mas há, sem dúvida, cores mais quentes por aqui.

Para a construção deste ambiente mais sensível foram determinantes dois factores: ser um álbum confessional, que documenta o fim da longa relação que Björk manteve com o artista plástico Matthew Barney (com quem tem uma filha em comum), e ter a seu lado, a co-produzir o disco, Alejandro Ghersi, mais conhecido pelo seu nome artístico Arca.

No ano passado, o venezuelano deu nas vistas ao trabalhar com FKA Twigs, uma das grandes revelações de 2014, e com Kanye West. Mas é no seu excelente disco de estreia, Xen, que reconhecemos este lado bastante emocional, mas que é também cheio de elementos flutuantes e cuja complexidade se aproxima da experimentação que Björk procura a cada nova aventura.

Uma arca encantadora

Em entrevista à Pitchfork, a artista revelou que o produtor a abordou numa altura decisiva. Enquanto lidava com o fim da relação amorosa, e tentava perceber o que podia transformar em canções (as letras são bastante explícitas e os temas têm, inclusive, subtítulos como 'três meses antes' ou 'dois meses depois'), conheceu o trabalho de Arca através de um email que o jovem de 23 anos lhe enviou, onde anexava alguns dos seus beats e lhe dizia que adoraria fazer algo consigo. “Entrou em contacto comigo no Verão de 2013. Foi a altura certa. Criar as batidas para as canções teria levado uns três anos (como em Vespertine), mas essa 'Arca encantadora' visitou-me e meses depois tínhamos um álbum completo”, escreveu na sua página de Facebook.

O resultado desta colaboração – que incluiu ainda a participação de Antony Hegarty num tema e de Haxan Cloak no processo de mistura – é um disco profundamente humano. Mais uma vez, tratando-se de Björk, claro que há ressonâncias futuristas, mas os detalhes sonoros são sentimentais e poéticos, fazendo de Vulnicura o seu trabalho mais comunicativo na última década.

Vulnicura

Björk (One Little Indian)

alexandra.ho@sol.pt