A arte depois da rua

Foi o graffiti que fez o artista chamado Finok. Mas hoje o graffiti é um hobby e o seu trabalho povoa galerias como a Underdogs, a galeria de arte urbana do português Alexandre Farto (Vhils) e de Pauline Foessel.

Nascido em Nova Iorque, onde os pais, um geólogo e uma psicóloga, trabalharam temporariamente, Raphael Sagarra viveu dos 4 aos 8 anos – também por deslocação por motivos profissionais dos pais – em Lisboa. De volta ao Brasil, em São Paulo, e já na adolescência, descobriu a liberdade de pintar e pichar as paredes quando observou um miúdo do seu bairro, o Cambuci, a zona incubadora do graffiti na grande capital da cultura de rua da América do Sul.

Mais tarde, Finok seria compincha “embora muito mais novo” de Os Gémeos (artistas de renome internacional que já expuseram no Museu Berardo e têm um mural na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa) e de outro artista que representa a contracultura brasileira paulista, Nunca. Embora bastante mais novo – nasceu em 1985 – Finok fazia e faz parte desse grupo. “Há entre nós uma partilha de experiências de vida”, conta. 

Ao espírito do graffiti, Finok diz dever “ter conhecido praticamente todos os bairros de São Paulo, uma cidade enorme com 20 milhões de habitantes”. 

E a inspiração e a cor vêm também muito daí, embora Raphael tenha estudado, sem acabar o curso, na Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Seres populares, saídos de mitos e crenças, com rostos indígenas ou de povos variados, cores garridas dos folclores do mundo e das cores dos meninos dos bairros proletários e pobres enchem as telas de Enterro do Galo, na Underdogs até 28 de Fevereiro. E, igualmente, papagaios de papel (ou pipas), cujo lançamento nos céus é um desporto nacional para os menos abonados no Brasil, tal como o lançamento de grandes balões de ar quente “que é proibido, por motivos de segurança, mas não deixa de ser feito”. 

Em São Paulo, diz Finok, “as coisas são muito difíceis de explicar. A Prefeitura tanto valoriza o graffiti, como manda apagar paredes”. Há uma maior condescendência e reconhecimento, mas a essência da arte ainda é a clandestinidade, explica. Em Lisboa, Finok pintou – autorizado – uma Iemanjá na parede de um prédio perto do aeroporto e visível da 2.ª Circular. 

De volta a Portugal, 20 anos depois de ter partido em criança, Finok revela outra ligação ao país: no seu próprio nome de assinatura, que resultou de uma interpretação errada. “Quando era miúdo e usava uma camiseta do Paris St.Germain os meus amigos começaram a chamar-me Figo porque achavam que era a camiseta do Barcelona”. Um desses amigos fez ainda uma derivação ao nome e de Figo passou a chamar-lhe Finok.

E, tal como muitos dos artistas que vieram do gaffiti, como o Nunca, também Finok fez colaborações com marcas. Desenhou umas havaianas e para esta marca de chinelos pintou também um mural em Miami. Para a Ray-Ban fez a pintura de um par de óculos, vendido em leilão com a receita a reverter para uma associação de cegos.

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