Na Educação discutimos mais os professores do que o ensino. Mas quando 34% dos contratados chumbam na prova de avaliação de conhecimentos e capacidades (PACC), com erros ortográficos graves, não significa que temos de continuar a debater a selecção e o recrutamento dos docentes?
Os resultados da PACC confirmam uma impressão que já tínhamos mas não havia informação que a sustentasse. O fundamental é termos um modelo do que deve ser a selecção e o recrutamento de professores. E em articulação com a formação inicial de professores.
O problema está também nos cursos de formação de professores?
Essa é a origem. Se temos candidatos a professores que apresentam estes resultados, o problema não está necessariamente neles mas em quem os formou. O foco deve ser na formação inicial e depois encontrar o modelo que permita a entrada dos mais competentes. Se a oferta é superior à procura, temos de seleccionar.
As instituições que formam docentes inflaccionam as suas notas para lhes garantir um posto de trabalho?
Há institutos que são rigorosos e outros que favorecem os seus alunos. Há uma falta de regulação que introduz injustiças graves.
Quer dizer que não basta fazer a acreditação destes cursos?
Não chega porque fazemos a acreditação com base na manifestação de intenções dos proponentes. Entre isso e o que são os factos reais vai uma distância muito grande.
Mas tem lógica seleccionar entre quem já dá aulas há cinco anos?
Uma solução possível é separar a habilitação, concedida pelas instituições do ensino superior, da profissionalização que devia ser feita nas escolas. Ter um sistema de profissionalização em exercício, aproveitando o que prevê o estatuto da carreira docente: o período probatório. Findo este, devia ser definido se está ou não em condições de ser um profissional, ainda que já esteja habilitado.
As escolas é que devem fazer isto?
Sim. Tem de se regulamentar este período probatório, para que os professores possam mostrar a sua competência nos vários domínios e para suprir eventuais lacunas. Devia-se definir um perfil e as instituições ajustavam os curricula da formação inicial. Depois teria de haver uma avaliação final ou à entrada da carreira para ver até que ponto este perfil é respeitado.
Devem ser as escolas a recrutar os docentes?
Tenho uma posição mista. No que diz respeito a mecanismos de mobilidade de professores que já estão nos quadros deve usar-se um concurso nacional. Para as necessidades transitórias de contratação, devem ser as escolas a contratar de forma descentralizada.
Essas necessidades são uma grande fatia. Notou-se no início do ano, com tantas escolas paradas…
O número de contratados é muito mais reduzido do que há 10 anos. Mas este problema tem 20 anos. Haver contratados com 20 anos de serviço resulta de uma situação nunca resolvida. Eu próprio quando fui ministro não tive capacidade para o fazer. É necessário encontrar uma solução porque isto é indigno.
Como vê o processo em curso de descentralização de competências na Educação para os municípios?
Este processo deve pressupor que cada um faz o que sabe fazer melhor. As questões pedagógicas, de gestão de recursos, não tenho dúvida de que devem ficar na escola. Nas de conservação do edificado, de coordenação de várias escolas e ligação com empresas, a autarquia tem um papel importantíssimo. Se se descentralizar para os que sabem fazer melhor, não temos nada a recear. Mas só podemos avaliar depois de experimentar.
É o caminho certo?
Temos uma situação hipercentralizada e isso leva a ineficiências do poder central em gerir todo o edifício do sistema educativo. Descentralizar é um bom princípio.
E as escolas poderem definir parte do currículo é um bom princípio?
É a aplicação do que já existe nas escolas públicas com autonomia e do que está no estatuto do ensino particular e cooperativo. A gestão curricular deve ser feita pela escola, em colaboração com o município. Se há várias escolas num concelho, o município deve promover mecanismos para que não façam todas a mesma coisa. Pode haver escolas orientadas para o ensino das artes, outras para a engenharia. É o princípio da diversidade. Convém haver diferenciação para que possa haver escolha.
Está a haver o debate necessário?
A minha preocupação é discutir princípios e não medidas, porque estas mudam. Ninguém quer que isto corra mal, mas parece que há pessoas que têm medo que corra bem. Se a experiência correr mal acaba-se, se correr bem alarga-se.
Do que já conhece deste processo, qual é a sua opinião?
O decreto-lei parece-nos bem. A última versão do contrato é um grande avanço em relação à formulação inicial que substanciava quase o princípio da municipalização, que não faz sentido. Não se propõe a transferência da tutela das escolas para os municípios. Isso seria uma alteração profunda do direito administrativo.
A oferta diversificada de que fala é o caminho para os pais poderem escolher a escola dos seus filhos?
A descentralização é um caminho para a diferenciação. Só temos a ganhar com projectos educativos diferenciados, com currículo nacional comum, mas margem para a diferenciação. O que queremos é que os pais tenham alternativa dentro de um âmbito geográfico restrito: escolher entre a escola de Coimbra e Lisboa não se põe. Mas tenhamos consciência de que em muitos concelhos do país não é possível ter essa diferenciação.
E optar por uma escola privada?
O problema que se põe com as escolas privadas é diferente. A liberdade de escolha, que é um bom princípio, não é facilmente realizável porque para haver liberdade tem de haver justiça. E se em zonas urbanas ou do litoral pode haver essa escolha entre público e privado – e aí a questão que se coloca é se o Estado deve ou não financiar essa escolha -, em dois terços do território não há essa liberdade porque num raio de 30 quilómetros não há escola privada para escolher. Mas em meio urbano ou rural pagam-se impostos, por isso tem de haver justiça.
Mas é uma ideia para esquecer?
É um princípio. Mas temos de ter cuidado porque ao promover a liberdade de uns estamos a promover a injustiça de outros. E muitas vezes não se escolhe em função do projecto educativo mas da população, dos resultados ou porque os professores são melhores.
Como vê o clima de guerra constante na praça pública na Educação?
Nada mudou: os truques, o jargão, está tudo igual. Damos a imagem de que a Educação é um campo de batalha. E, na realidade, olhamos para há 25 anos e as coisas evoluíram. O sistema educativo evoluiu mais do que a sociedade consegue acompanhar e absorver. Criámos expectativas nestas gerações e não temos oportunidades – empregos e instituições – que correspondam a essas expectativas.