Porque atraiu então milhões de leitores no mundo inteiro, sobretudo do sexo feminino? Porque, na realidade, “As Cinquentas Sombras de Grey” é apenas mais uma versão de a Gata Borralheira, só que mais apimentada. Anastasia Steele, uma jovem estudante de literatura inglesa, ingénua e inexperiente, conhece o carismático, bonito e multimilionário Christian Grey e, contra todas as probabilidades, o solteiro mais cobiçado da cidade apaixona-se por si. Mas enquanto na história infantil o obstáculo para o casal se envolver é a madrasta da Cinderela, aqui são os gostos sexuais sádicos de Christian Grey que dificultam a relação.
Explorar o sadomasoquismo no cinema não é um assunto novo. São muitos os exemplos, sendo talvez o mais recente “Ninfomaníaca”, de Lars Von Trier, bem mais explícito e intenso do que “Sombras de Grey”. É verdade que as cenas de sexo são abundantes, com chicotes e algemas à mistura, mas qualquer pessoa minimamente informada sabe bem que de bondage, sadismo ou masoquista elas têm muito pouco. Além disso – claramente para evitar a classificação mais restrita (maiores de 18 anos) e poder ser visto por um leque maior de espectadores –, a nudez aqui também é redutora. Vê-se muita pele, mas não há um único nu frontal. Isto não teria problema algum se a campanha de marketing não se tivesse centrado em promovê-lo como um filme assumidamente sexual.
Os problemas são outros em “Sombras de Grey”. Para começar é evidente, mesmo para quem não leu o livro, que o filme limitou-se a cumprir uma lista de tarefas a que a obra obriga, reproduzindo em imagens o livro. Em vez de apostar em criar uma obra independente do título (e material não faltava), a contribuição da realizadora Sam Taylor-Johnson limita-se à criação de cenários, ambientes e enquadramentos bonitos e elegantes para as personagens debitarem os diálogos ocos e sem densidade alguma do livro. Vindo Taylor-Johnson das artes plásticas, cujos trabalhos lhe valeram inclusive uma nomeação para o Prémio Turner em 1998, seria de esperar mais. Veja-se o exemplo do seu conterrâneo Steve McQueen, também ele artista plástico e vencedor do Turner em 1999, que em Vergonha (2011) aborda de forma muito mais profunda e inquietante os distúrbios sexuais do protagonista, interpretado por Michael Fassbender.