Lançou o desafio a José Manuel David, dos Gaiteiros de Lisboa, para fazer os arranjos das composições e co-produzir o disco. “E depois fui convidando de acordo com o repertório. Por exemplo, no 'Jardim dos Sentidos' casava bem a voz do António Zambujo”. Momento alto do disco, em que reúne uma série de músicos, de Janita Salomé a Jorge Fernando, é 'Qual de nós valerá mais?'. “É uma faixa complexa. Começa com órgão de tubos que gravámos numa igreja em Lisboa, depois entra o Rancho de Cantadores em cima do órgão e por fim salta para a guitarra portuguesa com o fado. E é um alentejano a cantar uma melodia de fadistagem”.
Se o despique é uma modalidade de improviso, um canto com regras, que vem do tempo do trovadorismo, este disco foi “um despique a uma série de gente, a outros géneros, e à própria tradição do cante e da viola”. Sustenta: “A tradição e o cancioneiro é aquilo que eu melhor conheço e este trabalho é cortar um bocadinho essa ligação e mostrar outras influências. Quero continuar ligado à tradição, mas dar-lhe inovação. Hoje não faz sentido o cante sofrido, mas cantar coisas mais lúdicas, mais festivas, de quando havia vagar. Depois do trabalho havia vagar, cantavam-se outras coisas e isso está por explorar”.
Nesse tempo longo, na casa de Pedro Mestre era o avô quem dava o mote. “Às vezes, à hora de jantar, o meu avô perguntava 'Lembram-se desta?', e lá cantávamos. Sou de uma aldeia (Aldeia da Sete, Castro Verde). À roda do lume, no Inverno, contavam-se histórias e cantavam-se modas”. Daí que afirme que o seu gosto pela música tradicional alentejana venha “do berço” e se explica que aos 31 anos já leve duas décadas de cantorias, desde o momento em que entrou no grupo infantil Os Carapinhas.
Este percurso precoce acentuou-se quando, um ano depois, estava a aprender a tocar viola campaniça com os últimos tocadores, Francisco António (tio) e Manuel Bento (sobrinho), que morreu no mês passado, aos 90 anos.
“Aprendi com o tio, também conhecido como Chico Bailão, que era mais novo que o sobrinho. Depois este adoeceu e comecei a tocar com Manuel Bento. 'Podemos morrer descansados', dizia, 'porque este tem 50 ou 60 anos pela frente'. Aos 15 anos percebi a importância do que me diziam”, de ser o guardião de um saber que esteve à beira da extinção. E foi por volta dessa idade que lhe disseram: “Pedro, o mestre é você”.
Uma passagem de testemunho que levou a que, por graça, passasse a ser chamado de “mestre ao quadrado” e que foi aprofundada quando decidiu aprender a construir a viola campaniça. A esse propósito recorda que na escola tinha um projecto livre em Educação Tecnológica. Quando propôs ao professor construir uma viola recebeu uma resposta desanimadora: estava doido. “Anos depois esse professor foi aprender a construir violas comigo e hoje temos um projecto comum na Escola Secundária em Castro Verde, onde ensinamos a construir a viola”.
Além das oficinas de construção das campaniças, Pedro Mestre dá aulas de cante a alunos dos oito aos 80 em escolas de Serpa e Castro Verde e dinamiza alguns dos 12 grupos corais que fundou. De alguma forma contribuiu para que hoje existam grupos de cante formados apenas por jovens – uma realidade impensável quando começou a cantar.
Graças a Pedro Mestre, há hoje mais de cem pessoas (como Tim, dos Xutos & Pontapés) que sabem tocar viola campaniça, um instrumento que se distingue por ter quatro cordas duplas de aço e um par de cordas em latão, e por se tocar dando primazia ao polegar em vaivém. “Parece impossível, mas é mais importante um dedo da mão direita do que cinco da mão esquerda”.