2. Mas, na defesa de José Sócrates, João Araújo está a revelar-se muito mais do que um bom advogado: João Araújo está a ser um verdadeiro político. Mais: até ao momento, João Araújo tem sido, essencialmente, um político – mais do que um defensor legal. É evidente que envolvendo este caso um ex-Primeiro-Ministro, as dimensões jurídica e política tendem a diluir-se. Certo: mas, por exemplo, Duarte Lima foi uma figura muito próxima de Cavaco Silva, foi líder parlamentar do PSD – e nunca vimos o seu advogado ter o protagonismo político e mediático de João Araújo. Ou mesmo Oliveira e Costa. Ou Maria de Lurdes Rodrigues e Armando Vara, amigos da confiança pessoal de José Sócrates que foram exemplarmente condenados.
3. Dirá, neste passo, o leitor mais atento: a estratégia de João Araújo não é nenhuma novidade. Ele limita-se a replicar a estratégia usada por Ricardo Sá Fernandes na defesa de Carlos Cruz ou a estratégia de defesa de Paulo Pedroso, no mesmo processo “Casa Pia”. Não concordamos: ambos os exemplos apresentados apresentam dissemelhanças relevantíssimas face ao caso de José Sócrates. No caso de Sá Fernandes/Carlos Cruz, Sá Fernandes insistiu também na perseguição política desencadeada contra Carlos Cruz, mas o enfoque foi colocado nas supostas mentiras contadas pelas vítimas e Sá Fernandes reservava para si o discurso jurídico – enquanto Carlos Cruz agitava a tese da perseguição política por ser simpatizante do PS e próximo de João Soares (foi porta-voz da sua candidatura a Lisboa). No caso de Paulo Pedroso, a estratégia foi ainda mais sofisticada: o seu irmão, advogado João Pedroso, (que, de resto, não tem perfil para a política de primeiro plano) remeteu-se a um papel reservado, a um trabalho jurídico muito discreto. A defesa política de Pedroso ficou a cargo da máquina partidária socialista – sobretudo dos seus principais dirigentes – que se mobilizaram intensamente contra a Justiça, com particular destaque (atendendo á sua notoriedade) para Ferro Rodrigues, António Costa e Manuel Alegre. Aqui não foi o advogado que criou um personagem político: foi a máquina partidária socialista que se mobilizou para condicionar a Justiça.
4. No caso de João Araújo, tudo é diferente. Araújo criou uma personagem político – e que personagem! Uma personagem político caricato, a roçar, aqui e ali, o ridículo, muito divertido, que cria simpatia e empatia ao interlocutor e ao espectador. João Araújo quer criar a personagem do advogado político, simpático, genuíno, que tem capacidade e habilidade para falar às massas.
5. Pergunta-se: esta personagem criada por João Araújo é genuína, resulta natural – ou é meticulosamente pensada? A resposta é evidente: é meticulosamente pensada. João Araújo pensa em tudo – até aquele seu gesto de passar a mão pela cara a insinuar sono ou cansaço. Uma forma subtil de dizer que o jornalista é chato, burro ou malandro. E mentiroso, claro. Araújo tem características que o tornam naturalmente simpático: bonacheirão, descontraído, parece saído de uma sitcom americana.
6. Este estilo de João Araújo – embora, à primeira vista pareça ridículo ou absurdo – é, na verdade, muito eficaz e muito bem pensado. Porquê? Por uma razão muito simples: João Araújo, com este seu estilo, complementa o estilo de José Sócrates. Aí onde José Sócrates é irritadiço, João Araújo é bonacheirão; aí onde José Sócrates é contundente, João Araújo é redondo; aí onde José Sócrates é agressivo, João Araújo é simpático e conciliador; aí onde José Sócrates é o contrário de diplomático, João Araújo é (pelo menos, na aparência) elegante mesmo para os sues adversários. Como é sabido, o estilo de José Sócrates cria muitos inimigos (não só o estilo – José Sócrates como tenta estragar a vida aos que o criticavam por todos os meios é natural que depois lhe respondam na mesma moeda…), João Araújo quer promover a “reconciliação” entre o país e José Sócrates. Esta é uma das linhas – porventura, a linha mais saliente no momento em que escrevemos estas linhas – da defesa política de José Sócrates.
7. Não temos dúvidas, então, que o discurso e a postura de João Araújo são pensados com muita atenção. Dois exemplos: a frase de que tem muitos amigos como Santos Silva que emprestam milhões (mesmo sem qualquer documento a atestar o empréstimo – documento escrito, aliás, que a lei exige, sob pena de nulidade do contrato) e que qualquer português tem amigos tão ou mais generosos (o que mereceu os sorrisos esclarecedores do jornalista Vítor Gonçalves) e quando revelou que há um blog fechado para juízes e procuradores. Supostamente, neste blog, os juízes criticam José Sócrates e apelam ao seu “castigo”. Conclusão óbvia: João Araújo deu entrevista à RTP apenas e só para revelar este blog!
8. Aliás, não deixa de ser curioso – e eloquente! – que João Araújo levou tais comentários dos juízes nas folhas que manteve consigo no estúdio da gravação da entrevista, não obstante ter introduzido como se de um mero acaso se tratasse!
9. Conclusão: João Araújo está feito um verdadeiro político. Até na forma aparentemente séria como se auto-qualificou como socrático – e conseguiu dizer, sem sequer esboçar um sorriso, que José Sócrates foi o melhor Primeiro-Ministro de Portugal desde Marquês de Pombal! Este trabalho de representação de João Araújo é notável – Hollywood deveria estar atenta às qualidades deste advogado-actor-político!
10. Em suma, secundarizar a razão (o logos) , valorizando a empatia e a simpatia de Araújo (o pathos) – eis mais uma linha estratégia da defesa de José Sócrates.
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