ste disco surge depois de mais de uma década como maestro, programador e director artístico. Foi um projecto muito pensado?
Há muitos anos que tinha este sonho de compor e chegou uma altura em que quis fazer música e só depender de mim. A meio de 2013, depois de três anos a trabalhar para Guimarães Capital Europeia da Cultura, um projecto muito violento, achei que estava na altura de me virar para mim e criar algo meu.
Foi então uma mudança necessária?
Estar na posição de liderar é estar sempre a dar muito, o que acaba por ser cansativo. Estava a precisar de me recentrar e ir à procura de outros desafios, a precisar de 'encher o frigorífico'. Então comecei a rejeitar algum trabalho para ter tempo para viajar, estar com a família, ver séries e filmes, sair das minhas influências habituais para construir novas referências. Também coincidiu com o turning point que são os 40 anos. Houve a necessidade de olhar para trás e ter uma criação minha, uma vez que até aqui fui sempre intérprete.
Era uma idade temida?
É uma brincadeira, mas há essa pacificação com o meu percurso. Olhar para trás e dizer 'pronto, já me posso dar ao luxo de fazer as minhas canções, concertos ao piano e as pessoas perceberem que tenho uma vida como compositor além de ser maestro. Também atingi um certo conforto financeiro que me permitiu aceitar menos trabalhos para dedicar-me como queria à composição.
Que composições são estas, então?
São canções pequeninas, simples, não comparáveis às grandes peças a que estou habituado, mas são as minhas. São peças ao piano onde espelho o meu mundo interior e que, no seu conjunto, resultam num disco que me transmite muita tranquilidade.
Mas é uma tranquilidade aparente, porque há aqui alguma inquietude…
Sim, o disco tem muito desassossego. Mas procurei sempre uma sensação de serenidade porque a decisão de fazer este disco obrigou-me a mudar uma série de hábitos para me focar só neste trabalho. Foi um ano e meio de muita reclusão, mas que sabia fundamental para que o disco fosse genuíno. Terminei a gravá-lo em Alfândega da Fé porque achei que a agrura daquela paisagem, daquelas gentes, ia obrigar-me a parar mesmo e alcançar essa tranquilidade.
Daí o disco abrir com 'Fé'?
Sim. E aquele batimento que se ouve no piano é como se a fé tivesse de ser lenta para durar muito tempo.
Depois de muitos anos com orquestra, foi difícil ouvir só um instrumento?
O grande desafio de Solo é esse: criar cores dispondo de um só instrumento. Foi giro porque reconciliei-me com o piano, o meu instrumento de formação. Passei a tocá-lo muito, a gostar muito dele outra vez. Enquanto maestro não tinha tempo para estudar piano. Utilizava-o para ler partituras, mas não passava disso. Agora tiro tempo para estudá-lo e para ter os dedos em forma.
Como assim?
Somos atletas. Isto é alta competição! A cada concerto vou jogar, por isso tenho de me sentir bem muscularmente. Tenho de tocar quatro horas por dia ou os dedos não vão lá. Se passo dois dias sem o piano os dedos começam a ficar aflitos. Se não treinamos todos os dias, as coisas depois não se ligam. É preciso conhecer muito bem o instrumento e criar um envolvimento com o som e os acordes para as coisas funcionarem. Se essa energia não for trabalhada todos os dias não se sente. Há coisas que só se ouvem depois de as trabalharmos muito. É um compromisso entre o lado físico e o espiritual.
A capa é bastante gráfica. Sendo uma figura pública não houve a tentação de colocar a sua imagem?
Não preciso de promoção. Acho que, às vezes, as pessoas fazem uma ideia errada de mim. Acham que estou nas coisas por interesse ou que tenho o cabelo em pé para dar nas vistas. Não, tenho o cabelo assim desde os 16 anos, mas se um dia me apetecer rapar, também rapo. Sou é apaixonado pelas coisas e atiro-me muito de cabeça. Fui o primeiro a não querer isso. Quero que as pessoas oiçam a minha música pelas canções. Nos concertos, aí sim, quero falar e estar com as pessoas. Depois de tantos anos de costas para o público, agora apetece-me assumir essa exposição em palco.
Foi jurado da Operação Triunfo, conduziu o programa Música Maestro e agora volta à RTP1 com Got Talent Portugal. Aceitar estes projectos tem a ver com esse 'atirar-se de cabeça'?
Também rejeito alguns, mas gosto do desafio de participar num programa feito a partir da ocupação dos tempos livres das pessoas na expressão artística. É o melhor entretenimento que a televisão pode dar, estimula a criatividade. É muito melhor do que outra televisão de lixo.
Como a Casa dos Segredos?
Não vale a pena enumerar.
Essa aproximação às massas é bem vista no meio da música clássica?
A popularização das artes é desejável. Se formos a Nova Iorque, o MoMA parece um centro comercial. Às vezes gosto menos, é verdade, mas as pessoas vão visitar aquilo e têm contacto com grandes autores. Qual é o problema de fazer isso na música? Qual é o problema de o Mozart ser um tipo altamente popular? A música clássica tem de se aproximar da sociedade senão tende a desaparecer porque os públicos estão a envelhecer largamente. Agora, há regras que têm de ser respeitadas. Quando faço uma sinfonia de Mahler ou de Mozart tenho de ser rigoroso e o contexto tem de estar lá todo. Mas é no palco que tenho de ser elitista, fora dele tem de ser para toda a gente. E quando estou num programa de televisão, tenho de ter aquele contexto. Se isso me torna popular e faz com que as pessoas venham ao meu concerto não me importa, desde que venham. Nos concertos que fiz com os Da Weasel ou os Expensive Soul mostrei orquestra a milhares e milhares de pessoas. Isso pode ser o primeiro passo para, a seguir, as pessoas irem ouvir Beethoven.
alexandra.ho@sol.pt