Olhando para esse conjunto de filmes é difícil imaginar outro realizador e argumentista que não Linklater a conceber Boyhood: rodar uma ficção com os mesmos actores ao longo de doze anos, uma semana de filmagens por cada 365 dias. É na delicadeza com que assume esse dispositivo mais associado ao documentário que à ficção – o do tempo que passa – que reside a singularidade da sua obra mais recente, onde acompanhamos episodicamente a banalidade da vida de uma família americana. Estão lá as idiossincrasias de todas as famílias, mas também as da nação que tanto ama a Bíblia como as caçadeiras. Fazer os trabalhos de casa, ter uma namorada, escolher uma profissão, é a retrospecção possível do jovem protagonista (Ellar Coltrane). Casar, divorciar, ter filhos, vê-los partir, a da mãe da história (Patricia Arquette é a favorita para o Óscar de Melhor Actriz Secundária). “É só isto? Pensei que houvesse mais alguma coisa”, ouvimo-la às tantas dizer.
Não é por acaso que o argumento faz referências ao mandato de Bush e aos atentados de 11 de Setembro, que uma das personagens trauteie um single da cantora pop que explodia no final do século XX (a saber Britney Spears) ou que a banda-sonora inclua o hit de Kimbra mais rodado nas rádios em 2011 (“Somebody That I Used to Know”). Sem receios de se deixar datar, o filme de Linklater quer-se permeável ao tempo – não nos cabe a nós aproveitar o momento, “é o momento que nos aproveita” é outro dos diálogos-chave do filme. Produto ou não das circunstâncias, como Linklater disse terem sido os três tomos com que iniciámos este texto, uma coisa é certa: o realizador americano soube, com inteligência e a mais eficaz das simplicidades, deixar-se aproveitar pela última década. Se não sair vencedor da categoria de Melhor Filme na cerimónia da Academia de Hollywood (que o nomeou para seis Óscares), Boyhood já ganhou pelo menos o título de melhor filme da carreira de Linklater. Até ver, claro…