Óscares 2015. Grand Budapest Hotel: Direct-to-instagram

Ver um Wes Anderson é como entrar num dos trezentos bares retro-kitsch da moda que nos lembram a casa da avó, ou numa daquelas casas de chá que evocam uma França fofinha que, fora O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, é duvidoso que alguma vez tenha existido. Tudo é muito bonito e tudo é feito…

Sim, há toda uma linguagem e uma imagética Wes Anderson. Que é honesta e que tem os seus muitos fãs. A questão é saber se o código se traduz em coisa alguma. Enfim, se o palco é construído à medida da história ou se se passa o contrário.

Grand Budapest Hotel, no caso, é uma simpática mas simples comédia de vigaristas à moda antiga e é também uma parada de bonitos quadros minuciosamente desenhados. Do décor aos trajes, é a concretização de uma fantasia megalómana do perfeccionista cineasta texano que durante meses tomou de assalto a pitoresca cidade alemã de Görlitz com meia Hollywood e meia Cannes.

É a história de um concierge (Ralph Fiennes) que se envolve com as abastadas e idosas hóspedes (Tilda Swinton, entre outras) de um hotel de luxo, de uma herança inesperada e do perfilhar de Zero, um paquete órfão de guerra (Tony Revolori). E ainda de um amor adolescente (Saoirse Ronan), de muitos vilões e perseguições e da solidariedade de cela e de classe.

Em pano de fundo está um país imaginário, Zubrowka, onde no entanto se reconhece facilmente uma Mitteleuropa pós-vienense e pré-Nazi onde elites brasonadas e letradas ensaiam a fuga à guerra iminente (a alusão é tão ligeira que parece estar-se a falar de uma mera chuvada). E está o Grand Budapest, o gémeo bom do Overlook Hotel do The Shining de Stanley Kubrick, uma joia da hotelaria da Europa Central mais tarde assassinada pelo mau gosto plastificado, alaranjado e sovietizado dos anos 80, ponto cronológico a partir do qual se narra a história.

A parada de estrelas prometida pelo cartaz e os trailers é que é uma relativa fraude. Bill Murray, Jason Schwartzman e Owen Wilson, cromos repetidos da caderneta de Anderson, aparecem por breves segundos apenas. A belíssima Léa Seydoux não se deixa ver tempo suficiente. Willem Dafoe apenas empresta a cara de mau. Jude Law e F. Murray Abraham são papel de embrulho da boneca-russa narrativa de Grand Budapest Hotel. E Tilda Swinton, Adrien Brody, Harvey Keitel e Edward Norton, entre outros ilustres, são secundários ao show de Fiennes e Revolori, este último um até aqui desconhecido mas promissor jovem actor hispano-americano que contava apenas 17 anos à data das filmagens.

É Fiennes quem leva a taça – mas não a estatueta, já que não está sequer nomeado para um Óscar. O que é uma das pequenas injustiças deste ano, porque é maravilhosa a estreia do actor de O Paciente Inglês, A Lista de Schindler ou O Fiel Jardineiro num registo de comédia. Está surpreendentemente em casa no papel do vaidoso, maníaco e efeminado concierge Gustave.

Anderson também está cada vez mais em casa, cada vez mais confortável nesse tal mundo que dista do nosso uns quantos tons de realidade, e que é simultaneamente o seu trunfo e a sua fraqueza. No caso de Grand Budapest Hotel, sai-se de facto com a sensação de se ter assistido a um prodigioso festim visual que merece ser celebrado. Só que as peripécias de Gustave e Zero são pouco mais que uma colecção de sketches que não levamos para casa para rir, quanto mais para pensar. E sai-se assim de barriga vazia, porque mesmo o açúcar mais colorido derrete depressa na boca.

pedro.guerreiro@sol.pt