Em 20 nomeados, todos são caucasianos. E apenas Marion Cotillard, francesa, é excepção numa lista anglófona. De fora ficou, para surpresa de muitos críticos e espectadores, o actor negro britânico David Oyelowo, o protagonista de Selma.
À partida, este facto pode parecer meramente casual. Afinal, foi apenas há um ano que a mexicano-queniana Lupita Nyong’o ganhou o Óscar de Melhor Actriz por 12 Anos Escravo. E ainda estão relativamente frescas as imagens dos triunfos de Halle Berry (2001), Jamie Foxx (2004) ou Forest Whitaker (2006).
Mas coloquemos essas imagens em perspectiva: em 87 anos de Óscares, e em mais de 2.900 actores, realizadores, músicos, guionistas e técnicos distinguidos pela Academia, apenas 31 foram negros. Se contarmos só com os actores, foram apenas 15.
O problema não é exclusivamente negro. Somente quatro actores latinos e três actores asiáticos foram distinguidos pela Academia em quase um século de Óscares, contabiliza a Associated Press. E não há qualquer nativo-americano entre os vencedores.
É também um problema de género: o Óscar de Melhor Realizador só foi entregue uma única vez a uma mulher. Foi apenas em 2009 que se quebrou o tabu, com Kathryn Bigelow.
A Academia e a América real
Em suma, não se trata somente de racismo. Os Óscares têm um problema geral de falta de diversidade e de representatividade, concluem os críticos. Isto numa altura em que os Estados Unidos – maior produtor e consumidor dos filmes em competição esta madrugada – são cada vez menos uma nação branca e anglo-saxónica. Quase 20% dos norte-americanos são hispânicos (latinos de qualquer raça), 12% são negros, 5% são asiáticos e 1% nativo-americanos.
Para perceber as razões desta discrepância, o Los Angeles Times investigou a composição da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, cujos 6.000 membros elegem anualmente os nomeados e os vencedores dos Óscares. Em 2012, o jornal descobriu que 94% dos sócios são brancos e 77% são homens.
O problema da diversidade é reconhecido pela presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, a primeira afro-americana a liderar a instituição. “Pessoalmente, adoraria ver e quero ver uma maior diversidade cultural entre os nomeados em todas as categorias”, declarou à AP, afirmando contudo que tem feito esforços por uma maior inclusão nos seus dois primeiros anos de mandato.
Em parte, trata-se de uma questão geracional. Os membros da Academia representam maioritariamente o passado. São em média mais idosos do que o nomeado a um Óscar, em grande parte dos casos já não têm um papel activo em Hollywood, e o seu estatuto é vitalício. A entrada de novos membros é reservada aos nomeados para uma estatueta e a personalidades convidadas. Em ambos os casos, os candidatos a filiados são sujeitos a um pesado processo de avaliação conduzido pelos membros mais velhos.
O domínio branco e masculino da Academia é por outro lado um reflexo da parca diversidade da própria indústria de Hollywood. Um estudo da universidade californiana USC Annenberg concluiu que, na lista dos 500 filmes que mais receitas geraram nos últimos anos, os actores afro-americanos interpretavam apenas 10% dos papéis. Os hispânicos tinham direito apenas a 4% – um número em parte explicado pelo facto de grande parte dos papéis latinos serem assumidos por actores brancos, como aconteceu no recente caso de Argo, com a personagem principal Tony Mendez, interpretada pelo anglo-saxónico Ben Affleck.
O mesmo estudo contabilizava apenas 33 realizadores na referida lista de 500 filmes.
Ameaça de boicote
Este domingo, grupos de defesa da inclusão como o liderado pelo mediático activista Al Sharpton planeiam protestos contra a Academia e apelam ao público para não assistir à cerimónia.
É contudo nas redes sociais – sem filtros nem comités de adesão – que a revolta tem feito mais ruído. Logo após o anúncio da lista dos nomeados, a hashtag #OscarsSoWhite ganhou destaque no Twitter e em toda a imprensa internacional, reunindo críticas maioritariamente bem-humoradas dos espectadores – sobretudo dos afro-americanos.
A impulsionadora daquele protesto virtual foi April Reign. Ao SOL, a comentadora e activista anti-discriminação subscreveu o diagnóstico geracional do défice de inclusão da Academia. “Isto só vai mudar se mais pessoas de cor forem nomeadas, dando-lhes a possibilidade de se tornarem membros”, disse.
Mas também responsabilizou os espectadores. “Os consumidores podem agir procurando filmes que digam algo às experiências das pessoas de cor, apoiando esses filmes com as suas carteiras e com a divulgação boca-a-boca”, afirmou.
Num país há sete anos liderado por um Presidente afro-americano – Barack Obama – April Reign alerta que a batalha contra o racismo não está ganha.
“Apesar da Administração Obama ter tomado passos significativos para resolver os problemas das comunidades marginalizadas, de algum modo temos assistido a uma reacção negativa contra os negros durante a sua Presidência. O racismo anti-negro a que temos assistido pode estar aliás relacionado com o ressentimento de alguns em relacção ao facto um negro ser Presidente”, observou.
“Seria uma falácia acreditar que, por termos um Presidente negro, este país é agora pós-racial, o que quer que isso signifique. Não é. Como eu disse no meu blogue, o Presidente Obama não é o nosso salvador. Seria ingénuo acreditar que uma desigualdade sistemática de centenas de anos pudesse ser eliminada por uma única pessoa ou eleição”, disse ao SOL.
pedro.guerreiro@sol.pt