Em causa está a decisão de proibir a circulação de automóveis anteriores a 2000 numa zona da cidade que, considera o ACP, devia ter sido aprovada por regulamento – “só a Assembleia Municipal é que tem poderes para o aprovar”, sublinha aquela entidade – e não por uma deliberação da câmara.
Três deliberações da CML (de 2011, 2012 e 2014) que instituíram as chamadas Zonas de Emissões Reduzidas (ZER) e respectivas regras, como forma de controlo da qualidade do ar e de prevenção da poluição.
Entre as 7h e as 21h dos dias úteis, não podem circular no coração da capital, a Zona 1 (entre a Avenida da Liberdade e o Terreiro do Paço), automóveis de matrícula anterior a 2000. E na Zona 2, limitada pela Av. Ceuta/ Sete Rios/ Av. Forças Armadas/ Av. EUA/ Av. General Spínola/ Av. Infante D. Henrique) não podem entrar carros anteriores a 1996.
Ficam de fora destas restrições os automóveis de residentes com dístico de estacionamento e os carros históricos, transportes públicos, veículos de emergência, militares ou da Polícia. As infracções são fiscalizadas pela Polícia Municipal e PSP, sendo puníveis com multa de 25 euros.
O Automóvel Club de Portugal (ACP) estima que um milhão e meio de automobilistas na capital têm carros com matrículas anteriores a 2000 e 1996.
Mesmo que a Assembleia venha mais tarde a ratificar esta deliberação da Câmara, aprovando um regulamento, “essa aprovação não tem efeitos retroactivos: só pode vigorar para futuro após a sua aprovação como regulamento pela Assembleia Municipal”, sublinha o ACT, que tem recebido “centenas de queixas dos seus sócios que se insurgem contra esta medida e que não têm capacidade financeira para comprar um automóvel novo que satisfaça as pretensões da autarquia, não obstante todos cumprirem escrupulosamente as suas obrigações fiscais”.
“Lamentavelmente, e mais uma vez, a Câmara de Lisboa não olha a meios para atingir o seu fim: banir os automóveis do centro da cidade”, lamenta o organismo. “Mesmo que seja com grande dano para os contribuintes e que esteja a promover a exclusão social”.
A opinião dos juristas e uma queixa ao Provedor
Como o SOL noticiou no passado dia 6, há juristas que defendem que as limitações à circulação deveriam ter sido decididas pela Assembleia Municipal e não, como aconteceu, pelo executivo da autarquia (presidente e vereadores).
«As deliberações em causa são ilegais, por incompetência da CML para as aprovar», disse ao SOL, nessa altura, Pedro Costa Gonçalves, professor da Faculdade de Direito de Coimbra e advogado da sociedade Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados, não tem dúvidas:
Para o jurista, as deliberações «correspondem manifestamente a normas jurídicas, de carácter regulamentar». E explicou as consequências: «Com a lei n.º 75/2013 [das autarquias locais] a câmara municipal perdeu competência própria para aprovar regulamentos de eficácia externa». A partir de então, «a câmara passou a ser apenas competente para 'elaborar e submeter à aprovação da assembleia municipal os projectos de regulamentos externos do município, bem como aprovar regulamentos externos'».
Semelhante argumentação é feita numa queixa ao provedor de Justiça, apresentada no final de Janeiro por um cidadão residente em Lisboa.
Nas deliberações em causa, que impuseram a ZER, o executivo liderado por António Costa invoca um histórico legislativo: decretos-lei de 1999 e 2007 que transpõem directivas da UE obrigando os Estados-membros a adoptar medidas para aumentar a qualidade do ar e fazer cumprir valores-limite de poluentes, inclusive ao nível local, pelas autarquias.
Precisamente por isto é que Miguel Lorena Brito, da F. Castelo Branco & Associados, igualmente contactado na altura pelo SOL, considerou que a resposta «não é inequívoca», tendo manifestado «reservas» em concluir que as restrições tinham de ser aprovadas em Assembleia Municipal. «A conclusão mais imediata é a de que a competência pertence à Assembleia Municipal», por causa da lei das autarquias locais. «No entanto, neste caso a questão não pode ser analisada desta forma simplista, desde logo porque as ZER não foram autonomamente criadas pela CML, antes resultando de um complexo processo normativo». Este culminou na aprovação pelo Governo de um programa de execução de medidas que «atribui especificamente à CML um conjunto de obrigações no que se refere à implementação das ZER». Além disso, recordou o especialista em Direito Administrativo, é à Câmara que compete «a administração do domínio público», incluindo a circulação automóvel.
Mas se os condutores multados forem para tribunal e este entender que a CML não tinha poderes para tal, as deliberações «poderão eventualmente ser anuladas» – o que «poderá produzir efeitos em cascata, conduzindo à invalidação das coimas». «Tudo dependerá dos meios processuais que venham a ser concretamente utilizados pelos cidadãos que se considerarem lesados», concluiu Miguel Lorena Brito.
sonia.balasteiro@sol.pt