Ora, se foi a Grécia quem mais cedeu face às posições iniciais do Syriza – provocando, aliás, o descontentamento da sua ala mais radical -, a Europa acabou por mostrar-se bem mais conciliadora do que terão pretendido os adeptos pró-germânicos da linha dura (incluindo os neófitos do Governo português e comentadores da mesma família).
Considerando o que estava em jogo e a diferença de forças no terreno entre o pigmeu grego e o gigante europeu, a conclusão a que se chegou representa, apesar de tudo, uma pausa de sensatez e uma tentativa de apaziguamento num confronto que poderia degenerar numa ruptura de consequências incalculáveis para a Grécia, mas também para a Europa.
Ambas respiraram de alívio, embora fosse a Grécia quem estivesse mais pressionada, por razões óbvias, para evitar um cenário de bancarrota a curto prazo. Mas, como se viu em casos anteriores – de que o mais lembrado é o do Lehman Brothers -, os mecanismos de contágio são imprevisíveis e os efeitos de boomerang eventualmente devastadores. Sobretudo num momento de tão grande incerteza e insegurança como aquele que se vive actualmente na Europa.
Os adeptos da doxa germânica apressaram-se a decretar a derrota humilhante dos aventureiros helénicos, a quem foi aplicado o correctivo adequado aos que ousam questionar os sacrossantos princípios da austeridade.
Já os que gostariam de rever-se no destino do Syriza – condescendendo sobre a sua aliança com um partido de direita radical ou a ausência de mulheres no Governo grego – procuram sobrevalorizar as conquistas semânticas e simbólicas obtidas nas negociações com a Europa, nomeadamente o eclipse da palavra maldita: troika.
Ora, nem uns nem outros têm razão. Não se verificou nem uma derrota nem uma vitória, mas mais apropriadamente um empate nas expectativas dos principais contendores.
A Grécia teve de conformar-se com alguns compromissos herdados da gestão política calamitosa dos Governos anteriores ao do Syriza, nomeadamente no que se refere ao equilíbrio orçamental.
E a Europa, apesar das reservas do BCE (ou, por outro lado, do FMI), acabou por fingir aceitar as formulações vagas e bem intencionadas da lista de Varoufakis e Tsipras, como forma de salvar a face, fazer baixar a pressão e prevenir uma convulsão imediata na precária ordem europeia.
No fundo, a situação grega vive suspensa de uma corrida contra o tempo em que se enfrentam as instituições europeias, com a sua arquitectura cada vez mais vacilante e dividida entre vários poderes: a Comissão, o Eurogrupo, o BCE ou o Governo alemão, cada qual disputando o seu espaço de afirmação.
Depois de ter afrontado Berlim com a sua estratégia de quantitative easing, dissonante da ortodoxia austeritária, Mario Draghi não quis ser acusado de facilitismo perante as veleidades helénicas e, por isso, foi dos mais cépticos sobre a lista de intenções de Atenas.
O presidente do Eurogrupo, o holandês Dijsselbloem, encontrou na crise grega um inesperado pretexto de protagonismo: foi o primeiro a visitar Varoufakis em Atenas, desentendeu-se rapidamente com ele mas, tanto quanto parece, acabou por ser dos mais conciliadores com o programa de reformas aprovado esta semana.
Já Juncker fez o seu mea culpa sobre as humilhações sofridas pelos países sob assistência da troika, cuja dignidade foi atingida com a intervenção de burocratas anónimos e sem legitimidade política. Não por acaso, quem parece ter ficado mais incomodado com esta confissão – lida como um gesto de simpatia e apaziguamento em relação aos gregos – foi o Governo português. Ou, mais precisamente, o PSD, já que o CDS aproveitou para recordar os seus antigos arrufos com o 'protectorado'. Um interessante cenário pré-eleitoral, à medida das decisões 'irrevogáveis' de Paulo Portas…
Se não há, neste jogo, nem vencedores nem vencidos, se tudo é frágil e provisório e não autoriza opiniões definitivas, há que reconhecer, porém, um facto indesmentível: a onda de choque da vitória do Syriza – que ninguém na Europa soube verdadeiramente antecipar, apesar de ser totalmente previsível – abalou as relações de força na ordem europeia.
Segundo todas as sondagens, os gregos não encaram o seu destino fora do euro, mas a Europa parece também incapaz de libertar-se das incertezas gregas. Tudo continua a ser, por enquanto, definitivamente… provisório.
Este artigo de opinião foi publicado originalmente na edição impressa do SOL de 27 de Fevereiro