Talvez a memória do nazismo tenha pesado nessa quase aversão.
Mas este sentimento não me impede de perceber as posições que a Alemanha tem adoptado na União Europeia e na Zona Euro.
A Alemanha sabe por experiência acumulada que o incumprimento dos outros Estados acaba sempre por lhe cair em cima.
E por isso quer que todos cumpram as regras – sobretudo, cumpram os limites do défice e da dívida pública, para não acumularem dívidas que depois não podem pagar (como é o caso da Grécia).
Aliás, já se ouvem vozes na Alemanha contra os impostos pagos pelos alemães para ajudar os países incumpridores.
Merkel tem assim de manter pulso firme – e fazer algum equilibrismo – no plano externo e no plano interno.
Não é uma posição fácil.
A vitória do Syriza na Grécia veio dividir os portugueses – uma vez mais.
Uns dizem que Portugal deveria estar hoje ao lado da Grécia, outros que deveria estar ao lado da Alemanha, outros ainda que não deveria estar ao lado de ninguém.
Na semana passada, Maria Luís Albuquerque apareceu sentada à esquerda de Schäuble num debate público – e logo o BE e o PS vieram acusar a ministra de ter sido “instrumentalizada” pela Alemanha.
E depois de um jornal alemão, o Die Welt, noticiar que a ministra portuguesa aconselhara Schäuble a “manter-se firme”, o menos que a esquerda disse foi que o Governo português é “mais papista que o Papa”.
Quem tem razão?
Antes da entrada em vigor do euro, o então primeiro-ministro, Cavaco Silva, fez uma célebre declaração: “Portugal tem de estar no pelotão da frente”.
E referiu o nosso país como um “bom aluno”.
Sucede que, tendo entrado de facto no 'pelotão da frente' e tendo-se mostrado 'bom aluno', Portugal foi perdendo a pedalada, foi-se atrasando continuamente, e há quatro anos quase foi apanhado pelo 'carro vassoura' – ou seja, esteve à beira da bancarrota e muitos vaticinaram que seria inevitavelmente empurrado para fora do euro.
Mas o país reagiu, fez das tripas coração, cumpriu aquilo a que se obrigou – e no passado fim-de-semana pôde surgir em Bruxelas de cara levantada e com a sensação do dever cumprido.
E aqui eu pergunto: o que teria sido melhor para Portugal – aparecer ao lado dos países cumpridores ou dos países incumpridores?
A União Europeia não é propriamente um palco de luta de classes – de guerra dos países pobrezinhos contra os ricos.
Em Bruxelas faz-se política.
Ora, depois de tudo o que Portugal passou, das inúmeras dificuldades que teve de superar, o facto de aparecer agora ao lado dos países cumpridores reforçou internacionalmente a posição portuguesa.
Aparecer ao lado da Alemanha, como um exemplo, melhorou enormemente a imagem externa de Portugal – com todas as consequências positivas que daí podem advir.
Um país que há quatro anos era visto na Europa como um 'coitadinho', surge hoje nos jornais a dar conselhos à poderosa Alemanha.
Como as coisas mudaram!
Mas há quem não entenda assim.
António Costa, em Madrid, insistiu na ideia de que Portugal deveria ter estado do outro lado.
Presumo, porém, que o líder socialista só diz isto porque está na oposição.
Se estivesse no Governo diria o contrário.
Aliás, quando lhe fizeram notar que a posição da França sobre a austeridade era diferente da sua, António Costa disse que “cada país tem a sua estratégia”.
Pois é!
Quem está no poder tem uma estratégia e na oposição tem outra.
Aliás, todos ainda se lembram de qual era a posição de Portugal quando o PS estava no Governo.
José Sócrates – que não é muito sério mas não tem nada de parvo – sempre privilegiou a relação com Angela Merkel, e um dos argumentos que o PS ainda hoje utiliza para se vitimizar é que o famoso PEC 4, cujo chumbo fez cair o Governo socialista, já estava aprovado pela chanceler alemã!
Os argumentos mudam consoante a situação.
Depois dos últimos acontecimentos, os portugueses até podem ser considerados 'mauzinhos' em certos círculos europeus mais à esquerda – mas já não são 'coitadinhos'.
E a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, apesar de todas as críticas de que foi alvo, também marcou pontos.
Ser apontada como 'conselheira' do famoso ministro das Finanças alemão não é para todos.
Para um governante de um país que ainda recentemente era desqualificado na imprensa internacional, surgir com esta importância não é nada mau…
Em Bruxelas, Portugal não fez parte do 'pelotão da frente' – mas esteve na linha da frente.
Tendo cumprido a sua parte, Portugal pode agora aparecer na posição de exigir aos outros que façam o mesmo.
Os políticos não têm de ser simpáticos.
Têm de ser eficazes e fazer aquilo que acreditam ser melhor para os seus países.
Thatcher nunca foi simpática – mas marcou uma época.
Muitos dos seus sucessores foram simpáticos – mas quem se lembra deles?
P.S. – As últimas intervenções de António Costa mostram a sua vocação errática. Ele fala de acordo com as circunstâncias. Depois das eleições gregas, colou-se ao Syriza. Quando as coisas se complicaram, afastou-se do Syriza. Falando para os portugueses, diz que a austeridade afundou o país. Falando para os chineses, afirmou que o país está melhor do que estava. Como escrevi um dia, o problema de Costa não é falar pouco – é acertar pouco quando fala.
Este artigo de opinião foi publicado originalmente na edição impressa do SOL de 27 de Fevereiro