2. É que Ricardo Costa – jornalista de excepcional talento e insuspeita independência e imparcialidade – levou sistematicamente a entrevista para a justificação do trabalho feito pelo Governo de Passos Coelho nos últimos quatro anos, querendo induzir Passos Coelho a revelar o que teria feito de diferente. Passos Coelho, por seu turno, não foi suficientemente lesto para não cair na encruzilhada – logo, o objectivo da entrevista na óptica do Primeiro-Ministro não foi inteiramente conseguido. Passos Coelho não conseguiu falar do futuro e das suas prioridades e propostas para o seu segundo mandato como gostaria. Soube a pouco esta entrevista. Problema? Não: Passos Coelho pode perfeitamente (lá para Maio ou Junho) dar outra entrevista que permita virar o jogo: deixar de ser o rosto do passado e assumir-se, sem hesitações nem receios, como a face da esperança e do futuro (mais risonho) dos portugueses.
3. Quanto à forma, Passos Coelho esteve muito melhor do que tem sido o seu desempenho habitual neste tipo de entrevistas. Passos Coelho costuma cair no epcado capital de adoptar um discurso redondo, muito hermético, muito ao estilo de professor de liceu rezingão – mas, desta vez, Passos Coelho acertou no tom. Falou claro, de forma assertiva, indo ao cerne das questões, não fugindo a qualquer pergunta relevante para o esclarecimento dos portugueses. Por razões estratégicas, foi comedido quanto à coligação e quanto às presidenciais – matérias que, aliás, são conexas e interdependentes.
4. Posto isto, na nossa perspectiva, e sem prejuízo do que já ficou dito nas linhas anteriores, a entrevista de Passos Coelho teve aspectos negativos e aspectos positivos. Comecemos pelos aspectos negativos.
5. Primeiro: Passos Coelho tem uma posição ambígua de mais quanto à coligação. Para nós, é hoje uma evidência que Passos Coelho não aguenta Paulo Portas – e Paulo Portas não suporta Passos Coelho. A verdade é que o episódio da irrevogabilidade revogável de Paulo Portas nunca foi superado no seio do Governo. Portas acha inadmissível que uma figura como Passos Coelho o tenha amarrado ao Governo contra a sua vontade, desautorizando um génio político como ele (é o que Paulo Portas acha de si próprio) – e Passos Coelho não perdoa a falta de lealdade política de Paulo Portas. A verdade é que os dois estão no Governo, os dois dependem um do outro para obter o sucesso eleitoral que o interesse de Portugal impõe em Outubro – e os dois vão tentar persuadir os portugueses sobre os benefícios do seu programa eleitoral e da sua equipa nos próximos meses. E como o vão fazer? Às turras? Com remoques sucessivos um para o outro? Por exemplo, quando Passos Coelho afirma que, no Governo, só há um Primeiro-Ministro, nós sabemos perfeitamente que foi um tiro dirigido a Paulo Portas. Enfim, Passos Coelho e Paulo Portas precisam rapidamente de uma sessão de mediação familiar;
6. Segundo: a defesa que Passos Coelho fez de Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz pecaram por excesso. Compreendemos que ao manter os Ministros, e uma vez solucionados os problemas, Passos Coelho só os poderia defender. Contudo, atenção que ambos os Ministros pediram desculpa aos portugueses, reconhecendo os seus erros. Ora, Passos Coelho falou como se os problemas na educação e na Justiça fossem uma mera narrativa inventada pela oposição ou um conto de crianças (expressão que lhe é cara). Pequeno problema: os portugueses sentiram as agruras das falhas na execução das políticas destes dois Ministérios. Portanto, este discurso de Passos não cola com a realidade;
7. Terceiro: os comentadores mais consagrados têm referido que Passos Coelho cometeu uma contradição lógica na entrevista, ao dizer que quer a maioria absoluta – mas não se importará de formar Governo com o PS. Ora, dizem os comentadores, que se trata de uma afirmação ilógica e que enfraquece Passos Coelho, o PSD e a coligação. Por um lado, porque isto é o mesmo dizer que não quer a maioria absoluta – de facto, os portugueses poder-se-ão questionar sobre a utilidade de dar a maioria absoluta ao centro-direita, quando este não se importa de governar com o PS. Segundo: porque cria sarilhos desnecessários na coligação. Então, se o PSD não se importa de governar com o PS – então por que quer o CDS? O PS é a mulher e o CDS passa a ser a amante ou a amiga colorida?
8. O que dizer? Neste ponto, não concordamos com os comentadores mais consagrados portugueses. Porquê? Simples: desde logo, porque, em rigor, o que Passos Coelho afirmou foi que lutará pela maioria absoluta, mas respeitará o equilíbrio de forças e o arranjo institucional que o eleitorado definir. Ou seja: Passos quer maioria absoluta, mas não fará filmes no caso de apenas obtiver uma maioria relativa. É um sinal de humildade democrática e sentido de compromisso – que lhe fica muito bem.
9. Por outro lado, Passos Coelho, com esta afirmação, entalou António Costa. Porque o mais provável é PSD ganhar com maioria relativa – e o PS ficar em segundo lugar a poucos votos do PSD. Neste caso, Passos Coelho já definiu a sua posição: promoverá um compromisso político que garante a máxima estabilidade governativa, incluindo o PS no Governo.
10. E o PS de António Costa, já se definiu? Não! O PS ora pede maioria absoluta, ora diz que saberá entender-se com o PSD, desde que Rui Rio seja o Presidente – ora está de mão dada com Rui Tavares ou Marinho Pinto. Se António Costa disser que fará coligação com o PSD – a ala esquerda do PS ficará desesperada; se Costa disser que fará uma coligação ampla com a extrema-esquerda, a ala moderada do PS revolta-se.
11. Pois bem, Passos Coelho virou o jogo: a batata quente já não está na coligação – está com o PS e com António Costa! Passos Coelho fica como responsável e político com sentido de Estado; António Costa poderá ficar como um político sem dimensão de estadista, que coloca o partido acima dos interesses de Portugal. Será que os portugueses perdoarão a Costa o ser responsável por uma crise política – depois de todos os sacrifícios por que passámos e estamos a passar – ou o formar Governo com a extrema-esquerda? Deixaremos a extrema-esquerda chegar ao Governo de Portugal? Tenho a certeza que todos os portugueses não querem ser a Albânia do século XXI – querem, isso sim, um país aberto, desenvolvido, com oportunidades, onde cada um de nós pode aspirar ao êxito pessoal e profissional. O perigo da extrema-esquerda é real – e António Costa alimenta-o todos os dias.
12. Donde, entendemos que a declaração de Passos Coelho sobre os cenários de governabilidade não foi um erro – foi uma frase muito bem pensada e um lance político de génio.
13. Amanhã, continuaremos a elencar os aspectos positivos da entrevista.
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