Como o Parma definhou até não haver água quente no balneário

Nota: A Liga italiana emprestou cinco milhões de euros ao Parma para jogar duas jornadas. A equipa entrou este domingo em campo frente ao Atalanta. Os problemas financeiros do clube, no entanto, não ficam resolvidos. Este artigo, publicado na sexta-feira na Tabu, explica as raízes da crise do Parma. 

O clube que a Parmalat agigantou nos anos 90 não jogou as duas últimas semanas: na primeira, falhou o pagamento aos stewards para garantir a segurança no estádio; na segunda, não houve dinheiro para uma deslocação de 200 quilómetros. Dos milhões investidos em Stoichkov, Zola ou Couto à falta de papel higiénico vão 20 anos.

Há 20 anos, o Parma conquistava a Taça UEFA com uma equipa recheada de estrelas, de Buffon a Asprilla, de Sensini a Zola, passando por Fernando Couto – contratado ao FC Porto por 600 mil contos, então uma verba astronómica para um defesa central. Hoje não há dinheiro nem para o básico: as autoridades tributárias confiscaram os computadores, os jogadores lavam a roupa de treino em casa e no balneário não há papel higiénico nem água quente.

O banho de água fria não fica por aqui e levou os adeptos do clube italiano a fecharem o estádio a cadeado, há duas semanas, de forma a impedir que a partida com a Udinese se realizasse à porta fechada. Essa chegou a ser uma hipótese a partir do momento em que os stewards se recusaram a garantir a segurança do jogo, por falta de pagamento nos últimos dois anos. ‘Fechado por roubo’ – lia-se à entrada do Estádio Ennio Tardini, numa crítica aos dirigentes que têm gerido o clube.

Desde Dezembro, o Parma foi vendido duas vezes ao preço simbólico de um euro, mas nem o primeiro nem o segundo comprador cumpriram as promessas de injectar dinheiro fresco. Os jogadores, entre os quais os portugueses Pedro Mendes (formado no Sporting) e Silvestre Varela (emprestado em Janeiro pelo FC Porto), não recebem salários desde Agosto. E a equipa voltou a não jogar no passado fim-de-semana, por falta de dinheiro para viajar até Génova – um percurso de cerca de 200 quilómetros, como de Lisboa a Coimbra ou do Porto a Leiria.

«Os jogadores sentem-se como ralé abandonada no deserto», desabafou o treinador Roberto Donadoni, antiga glória do AC Milan e da selecção italiana nos tempos áureos do Parma, na década de 90.

A situação é dramática: o Ministério Público pediu a insolvência do clube e será o tribunal a decidir, no próximo dia 19, se a dívida global de 96 milhões de euros o mantém viável ou se terá de abrir falência. No primeiro caso, o Parma passaria a ser gerido por administração judicial e poderia jogar no segundo escalão. Mas se entrar em falência resta-lhe começar tudo de novo, nos campeonatos distritais e com um novo nome.

A capacidade de resposta do presidente Giampietro Manenti parece ser a derradeira esperança para evitar o pior cenário, mas desde que comprou o clube, a 9 de Fevereiro, não houve indícios de que será capaz de o fazer. E o facto de ter sido ameaçado por adeptos na passada sexta-feira, antes de uma reunião na Câmara Municipal, deixou-o «a pensar», segundo declarou à RAI. Vender o clube, deixar o caso nas mãos do tribunal ou tentar um plano de resgate financeiro são as opções em estudo.

Restam-lhe 13 dias de uma corrida contra o tempo – que terá de ‘realizar’ sem o seu automóvel particular, apreendido no sábado devido a multas em atraso. Se o tribunal vier a decretar a bancarrota, o Parma não jogará mais na Liga italiana e serão atribuídas vitórias por 3-0 aos adversários. Para já, os duelos falhados com a Udinese e o Génova foram adiados.

A actual crise acentuou-se com a ausência forçada da Liga Europa desta época. Depois de ter garantido o apuramento por via do sexto lugar no campeonato, o Parma não obteve a licença junto da UEFA e foi impedido de participar. Na base do castigo esteve uma dívida de 300 mil euros em impostos.

Não é a primeira vez que as finanças do clube entram em colapso. Já tinha acontecido em 2004, com a falência da Parmalat. A empresa de lacticínios, cotada em bolsa desde 1990 e que sustentou o Parma durante os anos dourados, não resistiu a uma fraude que ocultou 14 mil milhões de dívidas em todo o grupo e levou à condenação do seu fundador, Calisto Tanzi, a oito anos de prisão.

Além de gerir o clube da cidade, a Parmalat chegou a patrocinar o Benfica durante a presidência de Manuel Damásio, tendo colocado na Luz jogadores como Claudio Caniggia ou Paulo Nunes. E também esteve ligada aos argentinos do Boca Juniors e aos brasileiros do Corinthians. A primeira vez que surgiu ligado ao desporto foi na Fórmula 1, através de Niki Lauda, nos anos 70.

Em 2004, uma auditoria independente à empresa concluiu que a aposta desportiva se revelou desastrosa nas contas da Parmalat, assim como a agência de viagens e a estação televisiva lançadas por Calisto Tanzi. O que mais contribuiu para a queda do império, porém, foi a entrada nos mercados financeiros, em 2001. Por acção do Governo italiano, salvou-se o nome da marca e hoje a Parmalat pertence a uma empresa francesa.

Só uma solução de recurso, como a que salvou a Parmalat, poderá evitar o fim do Parma tal como hoje existe. O tempo de Cannavaro, Inzaghi, Thuram e Stoichkov, outros craques que passaram pelo clubes nos anos 90, não volta tão depressa.

rui.antunes@sol.pt